terça-feira, 9 de outubro de 2018

D. GRACIA NASSI: UMA SENHORA ALÉM DE SUA ÉPOCA

Nascida em Lisboa (Portugal), em 1510, na conturbada época da Inquisição, D. Gracia (correspondente Hebraico do nome Hannah), foi batizada de acordo com os rituais católicos, recebendo o nome de Beatriz de Luna.

Seus pais, Álvaro de Luna de Aragão e Philipa Benveniste, pertenciam a uma nobre estirpe de abastados comerciantes, que foram exilados da Espanha por força do Édito de Expulsão dos judeus, em 1492, assinado pelos reis católicos Fernando de Aragão e Isabel de Castela.

Mediante o pagamento de elevada soma em dinheiro, a família juntou-se a milhares de outros judeus provenientes da Espanha, que preferiram sair do país a se converter à fé católica e escolheram Portugal como um possível destino seguro. 

Na época, D. João II era o soberano do país. 

Abrindo um parênteses para melhor entendimento do assunto, o "acolhimento" dos judeus em Portugal foi motivado por interesses econômicos por parte do monarca português, que recebeu no país duas classes de judeus:

A primeira, que pagando a elevada soma de 600 mil cruzados, foi autorizada a residir no país. Cerca de 600 famílias arcaram com a exorbitante soma, dentre elas, estava a família da, ainda não-nascida, Gracia. A outra classe, com adesão de milhares de judeus, pagou 8 cruzados por adulto,  pela estada de somente 8 meses no país. Para este grupo, o Rei se comprometeu a oferecer navios, a preços módicos, para transportá-los para outros destinos.  A promessa foi parcialmente cumprida. Os judeus que ficaram em Portugal foram vendidos ou doados como escravos.


Beatriz de Luna e sua filha única Reyna

Com a morte de D. João II, em 1495, assumiu o trono D. Manuel I.

Diante da condição imposta pelos reis católicos Fernando e Isabel, para o seu matrimônio com sua filha, também chamada de Isabel, o Rei D. Manuel I decidiu também converter ou expulsar os judeus do país, assinando o Édito de Expulsão de Portugal, em 1496. Em 1497, cerca de 20 mil judeus foram convertidos à força, extinguindo a população judaica do país.

Desde então, os Mendes, sobrenome cristão adotado pelas famílias De Luna-Benveniste, viviam a vida dupla dos conversos judeus na época. 

Em público portavam-se como católicos observantes. Frequentavam a missa aos domingos e participavam das cerimônias públicas promovidas pela Igreja e pela sociedade portuguesa. 

Em casa, escondidos em porões e sótãos, praticavam o Judaísmo, crime que, se descoberto, era passível de humilhações e morte na estaca, quando eram queimados vivos nas fogueiras dos famosos e disputados Autos de Fé (cerimônias públicas onde eram lidas e executadas as sentenças do Tribunal do Santo Ofício).
                                                                                          
A FAMÍLIA DE GRACIA NASSÍ


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D. Gracia casou-se com Francisco Mendes (nome judaico Tzemach), irmão de sua mãe, em 1528, num casamento católico público; depois, na privacidade da família, houve a cerimônia judaica, inclusive com a assinatura de uma Ketubá (contrato nupcial judaico). 

Desta união, em 1534, nasceu Reyna, filha única do casal. 

Para manter segredo das práticas judaicas e evitar a assimilação, eram comuns os casamentos entre pessoas da mesma família ou entre conversos. Assim foi na família Mendes, quando Brianda, irmã de D. Gracia, casou-se com o tio Diogo Mendes (nome judaico Meir) e Reyna com o primo João Micas (Joseph Nassí). (Vide quadro acima).

Francisco, em sociedade com o irmão, Diogo, dirigia um poderoso comércio internacional, que incluía um banco, bem estabelecido em toda a Europa e ao redor do Mediterrâneo. Com os descobrimentos marítimos, a Casa dos Mendes se tornou forte no comércio das especiarias.


AS VIAGENS DE D. GRACIA


Com a morte do marido, em 1538, D. Gracia deixou Portugal clandestinamente, em direção à Antuérpia, onde se encontrou com Diogo. Em 1542, com a morte do cunhado, D. Gracia assumiu o comando total das empresas da família, assessorada pelos sobrinhos. A ida de D. Gracia a Antuérpia também foi motivada pelo estabelecimento do Tribunal da Inquisição, em Portugal e o risco que este representava à fortuna dos Mendes. A Antuérpia era, também, para ela, a primeira etapa em direção ao Império Otomano.

Sendo muito bem-sucedida na função, ganhou o respeito de um mundo, até então, dominado pelos homens. D. Gracia conseguiu influenciar reis e governantes, em prol da salvação do maior número possível de cristãos novos, retirando-os da zona de perigo, longe das garras dos Tribunais da Inquisição. Com sua fortuna e prestígio, ela conseguiu libertar muitos cristãos- novos condenados, estabelecendo para eles rotas de fugas e destino mais seguros.

Da Antuérpia, D. Gracia e sua família dirigiram-se para Veneza, onde encontraram judeus que seguiam abertamente a fé judaica. Apesar da "tolerância", os judeus viviam em guetos e usavam roupas especiais. O poder econômico fez com que estas leis não fossem aplicadas à família Mendes. 

Em 1548, com o estabelecimento da Inquisição na cidade, D. Gracia planejou efetivamente sua ida ao Império Otomano. D. Gracia enfrentou um grande desafio ao ser denunciada ao Senado veneziano, por sua própria irmã, Brianda, que a acusou de judaizar e de planejar levar sua fortuna para o Império Otomano. Duas acusações gravíssimas! 

Brianda teve suas motivações. Ela não queria ir para o Império Otomano com a irmã, ao mesmo tempo, ambicionava ter acesso e gerir a sua parte na fortuna dos Mendes da maneira que quisesse, longe do controle da irmã. Seu marido, Diogo Mendes, havia deixado a fortuna aos cuidados de D. Gracia, até que a filha do casal, Beatriz (Gracia La Chica) completasse a maioridade.

A Europa representava grande perigo aos judeus e conversos.  D. Gracia fugiu com a filha Reyna para o Império Otomano, em 1552, onde recebeu a proteção do sultão Suleiman, o Magnífico (1520 - 1566). A família se estabeleceu em Istambul.

Em Istambul, D. Gracia assumiu definitivamente o Judaísmo, passando inclusive a usar seu nome e sobrenome judaico. Lá, também realizou outro grande sonho de vida, casar sua filha Reyna, com um judeu, segundo as leis da Torá. Fato que aconteceu em 1554, quando Reyna se casou com o primo, que também assumiu o Judaísmo, Joseph Nassí.

Em 1560, ela, juntamente com o sobrinho Joseph Nassí, arrendaram a cidade de Tiberíades, na Terra Santa, das mãos do Sultão Suleiman, por uma elevada soma em dinheiro. D. Gracia tinha planos de estabelecer alguns assentamentos judaicos aos refugiados judeus da Espanha e Portugal. Muitos historiadores consideram a iniciativa de D. Gracia, como uma das primeiras iniciativas do Sionismo moderno em prol da reconstrução do Lar Judaico na Terra de Israel.  

Infelizmente, este projeto não foi levado a frente por conta da morte de sua patrona, D. Gracia, que ocorreu em 1569, em Istambul. Para mostrar sua grandeza de caráter, ela não deixou de despender muito esforço para trazer os restos mortais de seu marido Francisco, de Lisboa, para que fosse enterrado em Jerusalém, mesmo ela própria não conseguiu ser enterrada em Israel, como era de seu desejo.

A morte de D. Gracia foi pranteada por rabinos, líderes comunitários, pobres e eruditos da Torá. Homens e mulheres que tiveram suas vidas "tocadas" pela coragem e força desta valorosa mulher. 


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FEITOS DE D. GRACIA


Em Istambul, D. Gracia passou a praticar abertamente ações de Chessed (bondades), ajudando, com sua fortuna os menos favorecidos. Construiu sinagogas, Ieshivot (Casas de Estudo) e bibliotecas. Ajudou milhares de marranos a retornarem a suas raízes judaicas. Incentivou os estudos acadêmicos, principalmente, os estudantes da Torá. Publicou obras de cunho judaico, dentre elas, a primeira Bíblia em ladino, conhecida como a Bíblia de Ferrara, em 1552, que beneficiou judeus que não sabiam ler em Hebraico.

Não foi à toa que o famoso cronista judeu, Samuel Uísque, a chamou de "o coração de seu povo". E nos versos de Saadiah Lungo, poeta de Salônica (século XVI):

"De tudo o que nós mais estimamos, estamos desapossados,
Em todas as terras da tua dispersão, Ariel;
E cada cidade-mãe de Israel
Chora sobre a sorte dos seus filhos deixados na angústia,
A cintilação apagou-se;
A minha tristeza é amarga
E o meu coração quebrado."

D. Gracia ficou conhecida com Haguiveret - A Senhora, por sua benevolência para com os judeus, especialmente, durante e depois da Inquisição, que foi um dos mais sombrios e dolorosos episódios da História Judaica.


HOMENAGENS PÓSTUMAS


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Selo israelense, emitido em 2010, em homenagem aos 500 anos de nascimento da benfeitora Gracia Nassí.









 Medalha comemorativa D. Gracia Nassí





FONTES:

http://www.redejudiariasportugal.com/index.php/pt/eventos1/item/140-dona-gracia-nassi
https://www.cafetorah.com/dona-gracia-mendes-nasi-uma-mulher-judia-de-poder/
http://www.morasha.com.br/biografias/dona-gracia-nasi-1.html
http://www.morasha.com.br/comunidades-da-diaspora-1/o-tempo-dos-judeus-em-portugal.html
https://didierlong.com/2017/03/08/dona-gracia-mendez-nassi-1510-1568-lange-des-marranes/
http://www.lphinfo.com/gracia-nassi-la-grande-dame-juive-de-la-renaissance/
https://abemdanacao.blogs.sapo.pt/a-senhora-1467029

2 comentários:

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