sexta-feira, 23 de novembro de 2018

A INDIFERENÇA: A CONFERÊNCIA DE ÉVIAN

Pogroms, perseguições, queima de livros, ataques ao patrimônio particular e a entidades comunitárias, privação dos direitos e cidadania, desemprego... a situação dos judeus na Alemanha e países fronteiriços era muito delicada. As políticas antijudaicas impostas por Adolf Hitler caminhavam a pleno vapor. 

Estamos em 1938. Nuvens cinzentas assombram a população judaica. 

Diante da situação caótica vivida pelos judeus na Alemanha nazista e na intenção de resolver a situação dos refugiados judeus daquela área, o presidente americano Franklin Delano Roosevelt (1882-1945) tomou a dianteira e convocou uma reunião com representantes de diversos países do mundo. Roosevelt objetivava discutir a questão judaica e, como resultado, esperava que os países absorvessem a massa crescente de refugiados judeus da zona de guerra. 

Ao saber da conferência, Hitler exclamou:


"Eu só posso esperar que o outro mundo, que tem profunda simpatia por esses criminosos (em referência aos judeus), tenha pelo menos a generosidade de converter essa simpatia em ajuda prática. Nós, da nossa parte, estamos prontos para botar esses criminosos para fora daqui, e à disposição desses países, por mim, até em navios de luxo"(Landau, 2006, The Nazi Holocaust).


A conferência aconteceu entre os dias 6 e 15 de julho, na bucólica Évian-les-Bains, na França, no luxuoso Hotel Royal (foto abaixo) e contou com a participação de  trinta e dois países, dentre eles, o Brasil. A Argentina participou como país observador, a Itália, de Benedito Mussolini (1883 - 1945), recusou-se a participar, a União Soviética não enviou representação. Países da Europa Oriental, de maior população judaica, restringiram-se a mandar observadores. 


The Hotel Royal, site of the Evian Conference on Jewish refugees from Nazi Germany. [LCID: 62121]

Vinte e quatro organizações de trabalho voluntário tiveram autorização para participar da conferência como observadoras. Qualquer proposta vinda das mesmas teria de ser apresentada de forma oral ou escrita. Entidades judaicas também puderam participar. A conferência ganhou destaque na mídia internacional com a presença de centenas de jornalistas.

Centenas de milhares de judeus já haviam sido retirados da Alemanha e Áustria. Évian prometia. Mais que tudo, os judeus, que vivam na zona de risco, estavam cheios de esperança. 

Quem sabe, finalmente, resolveriam suas atribulações e escapariam das garras opressoras do Nazismo?

Realmente houve solidariedade nos discursos proferidos pelos representantes das nações. Muitos concordaram que a situação dos refugiados judeus precisava ser resolvida,  porém, a prática não acompanhou a teoria.                                                                                                      
                                                                                                                                     
Receber os refugiados em seus países? Essa era outra história! 

A Austrália argumentou não ter interesse em importar um problema racial real, já que não tinha nenhum. A Argentina alegou ser um país agrário e, por isso, não tinha espaço para imigrantes nos setores urbano e industrial.  Quatro dias depois, proibiu receber pessoas expulsas de seu país por ideias políticas ou de origem racial. Estados Unidos, Grã-Bretanha e França mostraram-se contrários à política de imigração irrestrita. 

Porém seria injusto não citar o exemplo da República Dominicana, que se dispôs a receber cerca de 100.000 refugiados judeus. Exemplo seguido mais tarde pela Costa Rica.

                                            
United States delegate Myron Taylor delivers a speech at the Evian Conference on Jewish refugees from Nazi Germany. [LCID: 87868]
                    Myron Taylor, amigo pessoal do presidente Roosevelt, representou o governo americano




GRANDE FIASCO

O resultado da conferência ou a falta de, não poderia ter sido mais danoso aos judeus, ao mesmo tempo que, de uma certa forma, "validou" as políticas antissemitas perpetradas contra os judeus. 

Diante disso, Chaim Weizman, ativista sionista, que se tornaria o  primeiro presidente do Estado de Israel, disse: "O mundo parecia dividido em dois - os lugares onde os judeus não podiam viver e os lugares onde não podiam entrar".

Depois de Évian, Hitler praticamente ignorou os apelos internacionais e, atropelando as mínimas atitudes de humanidade, pôs em prática seu plano de Solução Final para o problema judaico, que culminou no extermínio de seis milhões de judeus.

E SE ...?


Em julho de 1979, o então vice-presidente dos Estados Unidos, Walter Mondale descreveu a esperança representada pela Conferência de Évian:

          "O que estava em discussão em Évian eram vidas humanas - e a decência e o 
          respeito próprio do mundo civilizado. Se cada nação tivesse concordado, em Évian,
          naquele dia em abrigar 17 mil judeus de uma vez, todos os judeus do Reich poderiam
          ter sido salvos. Como um observador americano descreveu: 'É de partir o coração
          pensar em todos os ... seres humanos desesperados ... esperando aflitos o que iria
          acontecer em Évian. Mas a questão que eles destacam é simplesmente humanitária
          ... é um teste civilizatório.'"

Por fim, concluo este post com o célebre pensamento do grande Elie Wiesel, sobrevivente do Holocausto e prêmio Nobel da Paz de 1986:

         "O oposto do amor não é nenhum ódio, é a indiferença.
           O oposto de arte não é a feiura, é a indiferença.
           O oposto de fé não é nenhuma heresia, é a indiferença.
           E o oposto da vida não é a morte, é a indiferença."

Fica a reflexão!

Até a próxima!
Qualquer dúvida, entre em contato comigo, pelo email
miriam.i.benzecry@gmail.com

FONTES:

https://www.lasegundaguerra.com/viewtopic.php?t=12305
https://encyclopedia.ushmm.org/content/pt-br/film/evian-conference-fails-to-aid-refugees
GILBERT, Martin. O Holocausto. São Paulo: Editora Hucitec, 2010.



quinta-feira, 15 de novembro de 2018

O ANTISSEMITISMO NA ALEMANHA NO PÓS-PRIMEIRA GUERRA E OS JUDEUS

A data de 11 de novembro de 2018 assinalou o aniversário do primeiro centenário do final da 1ª Guerra Mundial. Nenhuma guerra é justa, porém, e especialmente esta guerra abriu o caminho, gradativamente, os eventos que culminaram numa das maiores catástrofes sofridas pelo povo judeu: o Holocausto. 

Vamos aos fatos!




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                                   Soldados judeus comemorando a Festa de Chanuká


A derrota alemã marcada pela assinatura do Armistício de Compiègne, em 1918, na França, determinou o fim das hostilidades entre o país e as tropas aliadas e, no ano seguinte, a assinatura do Tratado de Versalhes, também na França, que, ratificando o acordo anterior, deixou a Alemanha num caos econômico e social.

Basicamente, o Tratado de Versalhes impunha à Alemanha as seguintes condições:

1. A redução drástica de seu exército.
2. A devolução de parte de seu território a países fronteiriços.
3. O reconhecimento da independência da Áustria.
4. O pagamento de pesadas multas aos países vencedores da guerra.

As condições desfavoráveis deste Tratado à Alemanha, foi classificado pelos alemães de diktat, uma imposição, e fizeram brotar na população um sentimento de injustiça e humilhação.

Alheios à contribuição dos judeus nos fronts de guerra e ao engajamento dos mesmos na reconstrução do país, os alemães acusaram os judeus pelos males da guerra e do pós-guerra. Circulava na sociedade a "lenda da punhalada pelas costas", um mito criado no final da 1ª Guerra para "justificar" a derrota e o fiasco alemão. Segundo versava a lenda, o exército alemão permaneceu invicto no campo de batalha, até ser "apunhalado pelas costas por oposicionistas apátridas" - os judeus.

A propaganda maldosa surtiu efeito e sentimentos antissemitas se revelaram na prática. 

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Charge antissemita do mito da "punhalada pelas costas"

A política foi profundamente afetada pelo sentimento antijudaico, que imperava na época, o que fomentou o aparecimento de partidos radicais antissemitas, entre eles, o Partido Socialista dos Trabalhadores Alemães, o NSDAP, que, posteriormente, foi chamado de Názi, de Nazional, em referência às duas primeiras sílabas da primeira palavra da sigla.

Em linhas gerais, o Partido Názi (ista) preconizava o resgate das fronteiras perdidas na guerra e o ideal da Grande Alemanha. Ele excluía, terminantemente, os judeus como cidadãos do país. Já em 1920, uma das plataformas do Partido pregava que "ninguém que não seja membro da nação pode ser cidadão do Estado" - esse "ninguém" incluía sobretudo os judeus. 

O referido Partido, que nos primórdios era "nanico", registrou um rápido crescimento, com a adesão de novos correligionários. O austríaco Adolf Hitler, sétimo na hierarquia, começou a se destacar com seus inflamados discursos de pureza racial e de salvação da Alemanha. Hitler conclamou o povo a se livrar da ameaça judaica e propôs uma solução final para o que ele chamava de "problema judaico", na Alemanha: "Antissemitas do mundo, uni-vos! Povos da Europa, libertem-se!". Hitler propôs a remoção dos judeus da Alemanha.

Em 1921, Hitler formou um exército civil dentro do Partido, os SA (Sturmabteilung), com o objetivo claro de perseguir e reprimir todos aqueles que fossem contrários à ideologia do Partido. Os SA ficaram conhecidos como os "camisa marrom", em alusão à cor marrom do uniforme. Eles agiam como uma espécie de tropa de choque do Partido Nazista.

Nessa época, a suástica começou a ser usada como símbolo do Partido.

Os ataque antissemitas não cessaram!

Em 1922, o Ministro de Relações Exteriores alemão, Walther Rathenau, foi assassinado. Ele, que era judeu e militante do Partido Democrático, havia negociado um acordo com a União Soviética, era odiado pela extrema-direita. O assassinato de Rathenau foi muito bem recebido pelo partido de Hitler. Nas ruas, vozes conclamavam a derrubada do político "o sujo desgraçado lixo judeu". E foi isso que aconteceu.

Em 12 de novembro de 1923, numa tentativa frustrada de golpe Estado de Estado, liderada por Adolf Hitler. O líder foi preso, julgado e condenado. Em 1925, publicou o livro Mein Kampf - Minha Luta, onde, claramente , atacava os judeus, acusando-os, junto aos marxistas, de serem uma influência perigosa ao povo alemão. Hitler defendia a qualidade e a pureza do sangue ariano.

A juventude Hitlerista foi criada em 1926. O antissemitismo na Alemanha não foi feito por um único homem, mas, com o apoio ativo de seu povo, como vemos nos filmes históricos da época.

Já em 1930, o partido Nazista pulou de 12 para 107 cadeiras no Parlamento. Esse crescimento só validou as políticas anti-judaicas e os ataques antissemitas.

Nas eleições de 1932, o Partido passou a ter 230 cadeiras.


ATÉ O HOLOCAUSTO


Quando Adolf Hitler foi nomeado chanceler alemão, em 1933, sedimentando práticas antissemitas, a vida dos judeus virou um verdadeiro "inferno". O campo de concentração de Dachau foi construído e a Gestapo, a polícia secreta, foi instituída, sendo responsável pela perseguição, tortura e morte de todos os oponentes da ideologia nazista.

Os judeus tiveram muitos de seus direitos básicos cerceados. Em 1934, Hitler assumiu definitivamente o poder e se autoproclama Fuhrer e Reichskanzler (chefe e chanceler do Reich). Em 1935 outorgou as Leis de Nuremberg e, com elas, a definição de quem é considerado judeu - aquele que tivesse, na sua ascendência, três avós judeus. Himmler, o arquiteto da Solução Final, assumiu a chefia da polícia política alemã. Para mortes em grande escala, novos campos de concentração foram construídos.

Em 1938, início da 2ª Guerra Mundial, Hitler pôs em prática a política de extermínio dos judeus.

Até aqui!

CHEGANDO NOS "FINALMENTES"


Outro dia, li um post sobre a participação dos judeus na 1ª Guerra, que me levou a uma profunda reflexão. A publicação enfatizava que milhares de soldados judeus alemães, com certeza, lutaram (e mataram) soldados judeus franceses, e vice-versa. Estavam em lados opostos, eram patriotas defendendo seus países.  Como bem escreveu Martin Gilbert, na obra Holocausto: "... judeus serviram em todos os exércitos: e em trincheiras opostas e de ambos os lados do arame farpado". Outros tantos foram condecorados por atos de bravura.

Apenas 20 anos depois, já na 2ª Guerra, os judeus encontraram-se do mesmo lado, nos campos de concentração. 

Deixo as conclusões para vocês!

Espero que tenham gostado.
Até a próxima!!!

Qualquer dúvida ou comentário entre em contato comigo
miriam.i.benzecry@gmail.com



FONTES:

https://encyclopedia.ushmm.org/content/en/article/antisemitism-in-history-world-war-i
GILBERT, Martin. O Holocausto. São Paulo: Editora Hucitec, 2010.