terça-feira, 23 de outubro de 2018

O MASSACRE DAS CRIANÇAS JUDIAS EM SÃO TOMÉ

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Esta é a paradisíaca Ilha de São Tomé. 

Com uma área total de 1001 km2, a Ilha de São Tomé, a Ilha do Príncipe e outras pequenas ilhas compõem a República Democrática de São Tomé e Príncipe (capital São Tomé), um país insular africano banhado pelo Golfo da Guiné, cujo idioma oficial é o português.

A Ilha de São Tomé faz parte da História Judaica. Entretanto (e, infelizmente), não entrou pela "porta da frente" usando uma linguagem mais popular, pois foi palco de um dos mais desumanos episódios vividos pelos judeus ao longo de toda a sua existência: o massacre das crianças judias em São Tomé. Um obscuro e desconhecido capítulo da nossa História, que será assunto deste post.

CONTEXTO


Portugal, então governada por D. João II (1455 - 1495), vivia o 'boom' da era dos Grandes Descobrimentos ou das Grandes Navegações, quando a busca por rotas comerciais alternativas levou os portugueses a encontrarem novas terras não-povoadas, que, anexadas, passaram a integrar o reino português, na condição de colônias. 

Havia muito interesse em povoar essas colônias, porém, este era um processo complicado e que acarretava uma elevada despesa aos cofres do reino. D. João II lançou mão de algumas estratégias para amenizar os altos custos advindos da colonização das novas terras, dentre elas, a adoção do sistema de capitanias e donatários. O que fez o rei?

Dividiu as colônias em largas áreas de terra, as capitanias, que foram doadas a aristocratas portugueses, os donatários, que, fiéis a Portugal, tinham a incumbência de gerir e explorar, com recursos próprios, as riquezas naturais da região, destinando parte dos produtos e dos lucros aos cofres da Coroa portuguesa.  

Mas, o sistema de capitanias e donatários ainda não resolvia o problema da colonização efetiva das novas terras conquistadas.

A VIDA EM PORTUGAL


Em 1492, D João II comprometeu-se com os líderes do Judaísmo espanhol no recebimento de dezenas de milhares de refugiados judeus daquele país, forçados a deixar a Espanha pelo Édito de Expulsão dos reis católicos Fernando de Aragão e Isabel de Castela.

O rei português estava de olho nos lucros advindos dos expatriados (vide post sobre D. Gracia Nassi): "Somente por interesse, foi o sombrio e misantropo rei impelido a esse ato aparentemente humano, pois, com o dinheiro dos judeus pretendia restabelecer o Tesouro do Estado" (Kayserling, p. 146).  

Os judeus espanhóis chegaram em Portugal e, somados à comunidade judaica local, perfizeram consideráveis 15% da população de Portugal (Novinsky, p. 41). Este número não passou desapercebido pelos portugueses, que, incitados por fanáticos religiosos, promoveram ataques à fé judaica, com um sem número de tentativas de convertê-los ao catolicismo.

Um outro agravante foi a proliferação da peste negra no país. Os judeus foram, mais uma vez, penalizados e acusados de causar a morte de milhares de portugueses, trazendo a doença ao país.

Pressionados, os judeus foram impelidos a deixar o país. Os que conseguiram embarcar foram massacrados dentro dos navios que os transportavam. Os judeus remanescentes foram vendidos ou doados como escravos, à revelia, para a nobreza.

Realocar parte deste grande contingente humano para as colônias resolveria pelo menos dois problemas: afastar os judeus das grandes cidades portuguesas e aproveitar o potencial humano para povoar as novas terras. Os judeus, sem opção de escolher seus destinos, eram encaminhados às novas colônias. E foi assim que Portugal conseguiu colonizar essas terras, dentre elas, a Ilha de São Tomé.

Mas D. João II não parou por aí!

A ILHA DE SÃO TOMÉ


Descoberta em 1471, a Ilha de São Tomé, também chamada de Ilhas Desertas, precisava ser habitada. Em quase vinte anos, duas tentativas já haviam sido feitas: uma, em 1490, com o fidalgo João Pereira e outra com João de Paiva. Ambas fracassaram nos seus intentos.

Em 1493, uma terceira tentativa foi feita, com a doação da terra ao distinto Álvaro de Caminha. Em carta, o rei determinava que o donatário deveria habitar na ilha, além do pacote de obrigações do sistema das capitanias.

O MASSACRE DAS CRIANÇAS EM SÃO TOMÉ


Ainda em 1493, o rei português determinou que crianças judias espanholas, de dois a dez anos de idade, filhas daqueles judeus que permaneceram em Portugal, fossem tiradas de seus pais, sem piedade, batizadas à força e deportadas à Ilha de São Tomé, para que povoassem o lugar. Dizem que o decreto atingiu também a comunidade sefaradita, que há muito habitava Portugal.
O rei enviava para São Tomé degredados, marginais, escórias da sociedade e, também, judeus.

"Quem não ouviu os soluços e os gritos dos pais, ao lhes serem violentamente arrebatados os filhos e levados para as naus, não sabe o que é tristeza, aflição e desgraça" (Kayserling, p. 152).

As cenas e os casos eram aterrorizantes. Nem os apelos desesperados das mães para que pelo menos pudessem acompanhar seus filhos foram considerados.

O cronista marrano Samuel Usque resgatou o episódio no livro "Consolações às tribulações de Israel". Publicado posteriormente em 1553, por Abraão Usque; o livro foi dedicado 
à  D. Gracia Hanassí. Segundo ele, muitas crianças foram devoradas pelas feras que habitavam o lugar.

O livro "Os judeus em Portugal", publicado em 1895, de autoria do Prof. J. Mendes dos Remédios, descreveu a problemática de uma mulher de quem haviam levados seus sete filhos:

"A desgraçada sabendo que o rei se dirigia à igreja, sai-lhe ao encontro e, lançando-se à frente dos cavalos que puxavam o coche real, suplica entre lágrimas que lhe deem pelo menos o mais novo dos filhos - "... Afastai-a da minha presença! '- disse o rei, e como as súplicas aumentassem, foi necessário afastá-la à força. 'Deixai-a' - afirmou D. João II - 'ela é como uma cadela a quem roubaram os cachorros ...'".

Das 2.000 crianças judias tomadas à força, apenas 600 sobreviveram.  

O cronista judeu Yosef Hacohen escreveu:

"Já em São Tomé, alguns judeus viraram presa fácil dos lagartos, e a maioria acabou morrendo por falta de água, comida e moradia segura".

O massacre das crianças em São Tomé foi escrito com o sangue de inocentes crianças, entrando para as páginas da História Judaica como mais um capítulo da sombria História de perseguição dos judeus.

PALAVRAS FINAIS ... NUNCA AS ÚLTIMAS


Não vou perguntar se gostaram do post, porque não acho que alguém goste de narrativas tão trágicas. Quem é incapaz de sentir em sua própria pele o sofrimento desses pais e de suas crianças, no momento da separação? Por outro lado, não podemos fazer de conta que isso não aconteceu. 

Hoje, mais do que nunca, com o ressurgimento dos movimentos antissemitas, devemos conhecer nossa História. E aprender com ela. Como sabiamente disse o rabino e historiador Berel Wein: "Conhecer o passado do povo judeu é acreditar em seu futuro". Acrescento, não repetindo os erros do passado, podemos construir um futuro melhor e mais promissor, não somente ao povo judeu, mas a toda a humanidade.

"Em nome de Portugal, quero pedir perdão aos judeus pelas perseguições de que foram vítimas em nossa terra". Mario Soares, presidente da República Portuguesa, num discurso proferido em Castelo de Vide, 17/03/1989.


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Até a próxima!

 FONTES:

http://porterrassefarad.blogspot.com/2014/01/em-1506-estariam-apenas-vivas-600.html
http://zivabdavid.blogspot.com/2013/05/judeus-em-portugal-no-seculo-xv.html
http://eshtanamidia.blogspot.com/2017/10/voce-sabia-as-criancas-judias-enviadas.html
http://www.morasha.com.br/historia-judaica-moderna/judeus-ibericos-deportados-a-sao-tome-entre-1492-8.html
CARNEIRO, Paulo. Caminhos Cruzados. Rio de Janeiro: Editora Autografia, 2015.
KAYSERLING, Meyer. História dos judeus em Portugal. São Paulo: Editora Pioneira, 1975.
NOVINSKY, Anita. Os judeus que construíram o Brasil. São Paulo: Editora Planeta do Brasil, 2015.


9 comentários:

  1. Que triste essa história,como podem tirar a força os filhhos de seus pais pra crescerem num lugar inóspito

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  2. Obrigado, pela publicação. Longe se está de imaginar toda esta tragédia. Só lendo Garcia de Resende...cronista deste Rei...recomendo...

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    1. Olá Edith,
      Obrigada por seu comentário!
      Muitas vezes nos perguntamos até onde o homem é capaz de chegar. Mas, se achamos que chegou no fundo do poço com as crianças de S. Tomé, o que dizer às 1 milhão e meio de crianças judias ceifadas no Holocausto?

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  3. Gostava de partilhar o seguinte artigo: "Colonialismo em São Tomé e Príncipe: hierarquização, classificação e segregação da vida social" de Gerhard Seibert, ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa.
    Que pode ser lido em:
    https://www.researchgate.net/publication/327596529_Colonialismo_em_Sao_Tome_e_Principe_hierarquizacao_classificacao_e_segregacao_da_vida_social
    Destaco: "“Em 1493, o terceiro donatário de São Tomé, Álvaro de Caminha (1493–1499), conseguiu o povoamento efetivo da ilha. Ele fundou uma povoação no nordeste da ilha, na atual Baía Ana Chaves. O grupo de colonos brancos que trouxe para a ilha integrou alguns voluntários, mas sobretudo degradados e crianças judias separadas dos seus pais à força. Esses judeus vieram da Espanha, donde fugiram para Portugal, em 1492. As crianças judias foram doutrinadas na fé cristã por padres católicos que viajaram na mesma comitiva de Caminha.”

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    1. Criminoso tanto ou quanto tirar a vida de uma pesdoasou(as,) é modificar a sua cultura Isso pq é matar em vida é tornar alguém um zumbi cultural

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  4. Cara Miriam, venho dar nota que divulgo o seu Blog no site do meu projeto teatral "Rapto dos Inocentes" (sobre este tema em https://raptodosinocentes20.wixsite.com/raptodosinocentes/) a estrear em 29/1/2023 em Carnaxide, Portugal.

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  5. Esse d João ll fazia parte do pior das criaturas q aqui viveram um Hitler e seus asseclas do seculoXV

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Obrigada pelo comentário.