As perdas foram inestimáveis, já que 90% do acervo, cerca de 16 milhões de peças, foi destruído. Entre outras peças, encontravam-se uma das maiores coleções paleontológicas da América Latina, o trono do rei africano Adandozan (1718 - 1818), além de incontáveis itens e coleções, recolhidos, ao longo de seus duzentos anos de existência.
Depois dos primeiros momentos de comoção pela lastimável perda, outra notícia ganhou destaque nos noticiários nacionais e internacionais: A Torá que pertenceu a D. Pedro, e que supostamente teria que estar no Museu, "escapou" quase que milagrosamente da devastação do fogo.
Sobre esse assunto é natural que sejam feitas, pelo menos, duas grandes perguntas: como a Torá foi "parar" no referido Museu, como peça de seu acervo e, a outra, como ela se "salvou"?

MUSEU NACIONAL
O Museu Nacional foi fundado por D. João VI (1767 - 1826), rei do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, em 06 de junho de 1818, com o objetivo de promover o progresso cultural e econômico do país. Inicialmente, recebeu o nome de Museu Real, que funcionava em outro local. Posteriormente foi transferido à sua localização atual, um palácio que serviu de residência à família real até a dissolução do regime monárquico no Brasil, em 1889, no bairro de São Cristóvão, no Rio de Janeiro.
Desde de 1946, o Museu era administrado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), uma instituição pública, vinculada ao Ministério da Educação e era considerado o maior da América Latina, em Antropologia e História Natural.
PERGAMINHOS IVRIÍM
Dentre o acervo relacionado ao referido Museu, integrante da Coleção Egípcia, encontram-se nove rolos de pergaminhos da Torá (a Bíblia judaica), chamados de Pergaminhos Ivriím.
Segundo informações, os pergaminhos, que datam de até mil anos, são pessulim, ou seja, estão em desacordo com a Halachá, a lei judaica. Eles foram confeccionados em couro de novilho, de coloração acastanhada e matizes avermelhadas (os pergaminhos usados nos rolos da Torá nas sinagogas tendem para o creme), costurados com fios de linho (os fios usados na costura dos pergaminhos devem ter origem animal) e compilados com tinta preta, de origem vegetal. A escrita está relativamente preservada.
Devido à importância histórica, foram tombados pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), em 1998.
COINCIDÊNCIA OU MILAGRE REVELADO?
Antes do incêndio, os manuscritos foram levados para restauração, do Museu Nacional para a Biblioteca do Horto, na Quinta da Boa Vista, e colocados na seção de Obras Raras. Coincidência ou milagre, os pergaminhos foram salvos da destruição certa.
D. PEDRO II
Coroado aos 15 anos, D. Pedro II era um amante da cultura e das artes. Ainda na infância mostrou talento para as línguas. Dominava o Inglês, o Francês, o Italiano, o Grego e o Latim. Até aqui, nada demais, afinal ser poliglota era quase que uma obrigação para quem no futuro seria coroado rei. O que poucos sabem é que D. Pedro II era fluente em Hebraico, mais, era seu idioma predileto. Ele gostava de falar, ler, ouvir e escrever neste idioma.
O interesse do soberano pelo Hebraico começou quase por acaso. Certa vez, ao caminhar pelos jardins do palácio encontrou um dicionário de Hebraico (segundo outra versão, o Imperador encontrou uma Bíblia, em Hebraico). Gostou muito. D. Pedro contratou um professor para que o ensinasse. Dizem que tal apego pela cultura judaica veio como forma de compensar as injustiças sofridas pelos judeus em Portugal na época da Inquisição, quando inclusive, os judeus foram expulsos ou convertidos à força, em 1496.
Outro caso.
Conta-se que certa vez, ao oferecer uma recepção aos judeus da Alsácia (França), o Imperador recebeu seus convidados usando o Hebraico. Ao perceber que não falavam o idioma falou:
"Que espécie de judeus são vocês que não falam a língua sagrada!".
D. Pedro II queria estudar a Bíblia na sua língua original, o Hebraico. O Imperador traduziu alguns livros do Tanach, dentre eles, o Livro de Jó e o Shir Hashirim (Cântico dos Cânticos), do Hebraico para o Grego, para o Latim e para o Português.
Eça de Queiroz (1845 - 1900), um dos mais importantes escritores portugueses, publicou um artigo, em 1872, ridicularizando o Imperador por sua paixão pelo Hebraico. Ele escreveu: "Sua Majestade, conhecido pela modéstia nos costumes e nas iguarias que impõe no palácio real, tem na verdade uma gula especial e única - a língua hebraica. Por não levar acompanhante em suas longas e tediosas viagens por trem, assim que chega, faminto, ao seu destino, sendo festivamente recebido, só sabe balbuciar: 'Hebraico!'".
Eça de Queiroz continuou destilando ironias:
"Certa vez, quando recebido com pompa nos palácios reais ingleses e solicitado a exprimir suas vontades e preferências, exclamou com voz sofrida: 'Hebraico!'. Os oficiais da recepção, espantados, tiveram a genial ideia de levar o Imperador a uma Sinagoga. Rodeado por judeus imersos em suas orações, pôde deglutir D. Pedro, com muita curiosidade e satisfação, porções sem fim de Hebraico".
SINAGOGAS
A historiadora Sonia Sales escreveu que em todos os lugares que D. Pedro II visitava, procurava ir às Sinagogas. Apesar de manter sua postura modesta aos locais, causava deslumbre ao se dirigir num Hebraico fluente aos judeus, apesar de não ser judeu.
LIBERDADE RELIGIOSA
VISITA A JERUSALÉM

D. Pedro II em visita a Jerusalém
Em 1876, numa visita à Terra Santa, D. Pedro IIparticipou de um Kabalat Shabat (oração de recebimento do Shabat), no Kotel Hamaaravi (Muro das Lamentações). E, foi, provavelmente, nesta viagem, que adquiriu os rolos da Torá, que fazem parte do acervo do Museu Nacional.
EXÍLIO E FALECIMENTO
D. Pedro reinou de 1841 a 1889.
Deposto, por ocasião da Proclamação da República (1889), pelo Marechal Deodoro da Fonseca, exilou-se em Paris, onde veio a falecer 2 anos depois, em 5 de Dezembro de 1891.
No livro "O Hebraico vivo através das gerações", publicado em 1992, o professor Shlomo Haramati escreveu:
"Não há dúvidas que seu profundo interesse pelo Hebraico, em seus últimos anos de vida, resultava de ser esta, a língua de um povo que vivia na Diáspora, estando ele próprio solitário e longe de sua pátria".
Por ocasião de sua morte, o escritor e biógrafo Israel Isser Goldblum (1843 -1925), escreveu em artigo publicado no jornal Hatsfirá (A Sirene), editado em Varsóvia (Polônia):
"Bem aventurados aqueles que viram D. Pedro II, Imperador do Brasil, e ouviram-no falar a língua sagrada. Bem aventurados todos aqueles que o saudaram e foram por ele saudados".
Espero que tenham gostado!
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miriam.i.benzecry@gmail.com
Até lá!
FONTES:
https://www.bbc.com/portuguese/brasil-45391771
https://www.cartacapital.com.br/sociedade/pergaminhos-da-tora-escapam-de-incendio-no-museu-nacional
SALES, Sonia. D. Pedro e seus amigos judeus. 2011.
Gostei muito de saber tudo isso.Obrigada Miriam.Essa história tem que ser muitas vezes replicada
ResponderExcluirObrigada pelo comentário.
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