KINDERTRANSPORT OU TRANSPORTE DE CRIANÇAS: 1938 - 1940

Crianças chegando em Londres, em 1939
A situação dos judeus estava ficando insuportável na Alemanha e regiões vizinhas.
O aumento das perseguições e da violência, principalmente depois da Kristallnacht - A Noite dos Vidros Quebrados (a explicação está na continuação deste artigo), em 1938, mobilizou algumas pessoas e organizações, em tentativas informais de resgate de crianças judias e refugiadas das zonas de guerra, levando-as a salvo para a Grã-Bretanha, onde poderiam esperar com segurança até que a guerra acabasse, para, somente então, retornarem aos seus lares.
As crianças viajavam desacompanhadas de seus pais e, algumas, em tenra idade, eram carregadas por crianças maiores. Esses transportes ficaram conhecidos como os Kindertransport ou Transporte de Crianças e foram responsáveis pelo salvamento de cerca de 10.000 crianças do inferno da guerra; destas, 7.500 eram judias.
A maioria das crianças dos Kindertransport vinha de trem de lugares como Viena, Berlim, Praga e de outras grandes cidades. As crianças de pequenas cidades e aldeias viajavam até as grandes cidades citadas a fim de se juntar ao transporte e atravessar as fronteiras da Holanda e da Bélgica. De lá, cruzavam o oceano em direção à Inglaterra.
Geralmente, as crianças beneficiadas pelos Kindertransport estavam em situação de risco. Seus pais estavam confinados nos campos de concentração ou já eram órfãs.
Eu pergunto: "quem vai cuidar de mim, quem vai me dizer onde sair e por que não podemos ir todos juntos?"
Papai me pega e me coloca no colo. Ele diz: "É assim que deve ser e você tem que ser um bom menino e fazer o que as senhoras no trem lhe dizem para fazer. Você não é mais um bebê, mas um menino grande de 7 anos!"
KURT FUNCHEL, uma das crianças salvas no Kindertransport.
ANTECEDENTES HISTÓRICOS (1933 - 1938)
Desde que Adolf Hitler foi nomeado chancheler alemão, em 30 de Janeiro de 1933, o destino dos judeus parecia estar selado. Hitler sempre foi bem claro sobre sua política de integridade e superioridade racial do povo alemão e, esta, não incluía, definitivamente, os judeus. Sua missão era expor e destruir a ameaça representada pelos judeus à qualidade da raça ariana.
Um outro agravante: Hitler culpava os judeus pela grande derrota e pela humilhação sofrida pela Alemanha, na Primeira Grande Guerra. Mesmo que os judeus houvessem lutado lado a lado na guerra e morressem como patriotas alemães. E, depois da guerra, se esforçaram pela reconstrução do Estado, eles continuaram estigmatizados e vitimizados com as crescentes ondas de antissemitismo que assolaram o país.
Hitler subiu ao poder com o discurso nacionalista que pregava a reconstrução e o restabelecimento da dignidade alemã. Isso envolvia a criação da Grande Alemanha e a devolução das colônias alemãs perdidas à Alemanha após a derrota da Guerra.
Aproveitando-se de uma manobra política, Hitler foi rapidamente ganhando espaço em busca de solidificar sua ditadura. Expropriou todos os prédios do Partido Comunista. Fechou organizações pacifistas. Todos os que eram considerados inimigos do regime foram presos e torturados (muitas vezes até a morte). A propaganda antijudaica era muito forte em toda a Alemanha.
Já em 22 de Março, quase dois meses depois de assumir a chancelaria, deu-se a construção do primeiro campo de concentração (Dachau), administrado pelo violento pelotão da SA (inicialmente a força paramilitar nazista era chamada de "Sturmabteilung" ou "Divisões de Assalto"). Em 1º de Abril veio o boicote aos negócios e lojas de judeus. Uma semana depois, foi a vez do decreto de afastamento dos judeus do funcionalismo público, do exército e das universidade. Enquanto isso, o terror imperava nas ruas.
Os judeus assistiam impotentes a tudo isso. Não podiam acreditar que, após séculos de permanência, de integração à sociedade alemã e de importantes contribuições às ciências, à medicina, às artes em geral e às indústrias alemãs, estivessem sendo escanteados de maneira vil e desleal. Dezenas de milhares de judeus deixaram a Alemanha. Com o escasseamento dos vistos de saída, logo o fluxo de emigração diminuiu, haja vista a dificuldade e a disposição dos países em receber os imigrantes judeus fugidos da guerra.
Em 2 de Agosto de 1934, com a morte de Alfred Hinderburg, Hitler se proclamou Führer (líder) e Reichskanzler (chanceler) da Alemanha. Com isso, a máquina militar passou a servi-lo com lealdade e obediência. Vieram as leis raciais de Nuremberg (1935), quando os judeus deixaram de ser cidadãos alemães e foram proibidos de casar com arianos.
Em 17 de Junho de 1937, mais outro golpe: a nomeação como chefe da polícia alemã do sanguinário Heinrich Himmler, idealizador dos Campos de Concentração Nazistas, responsáveis pela eliminação de dois terços dos judeus da Europa. A solução final de extermínio dos judeus estava ganhando forma.
Em 1938, a Alemanha anexou a Áustria e todos os decretos antissemitas passaram a vigorar também naquele país. Entendendo a urgência dos judeus deixarem a Alemanha Nazista, o Presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, convocou uma conferência, que teve lugar em Évian-les-Bains (França), em 6 de Julho de 1938. Trinta e dois países estavam representados na reunião. Infelizmente, e apesar dos grandes discursos, o encontro não foi bem sucedido, pois a maioria dos países demonstrou falta de vontade para receber os novos imigrantes judeus.
Em 28 de Outubro, dezessete mil judeus poloneses, que viviam na Alemanha, foram expulsos e exilados na Polônia.
KRISTALLNACHT - A NOITE DOS VIDROS QUEBRADOS
Durante os cinco primeiros anos no poder, os Nazistas conseguiram transformar em miserável a vida dos judeus. Mas a ferocidade da perseguição pré-guerra atingiu seu ápice no episódio que ficou conhecido como Kristallnacht - A Noite dos Vidros Quebrados, um grande pogrom orquestrado nos bastidores pelo ministro da propaganda Nazista Joseph Goebbels.
Nos bastidores, sim! Vamos (resumidamente) aos fatos!
O tratamento dispensado a seus familiares na Alemanha (lembrem que os judeus poloneses foram expulsos da Alemanha) motivou o jovem judeu Herschel Gryspan a entrar na embaixada alemã, em Paris, e assassinar a tiros um oficial Nazista do segundo escalão.
Os alemães precisaram somente de um pretexto para retaliar e desencadear uma ação antissemita nacional, sem precedentes. O assassinato em Paris foi perfeito!
Organizado pelo Partido Nazista e bem orientado por Goebbels, o pogrom deveria parecer como uma revolta espontânea da população. Soldados da SA trocaram suas fardas por roupas civis e atacaram selvagemente seus objetivos: os judeus e suas propriedades.
Na Alemanha e na Áustria, nas noites de 9 e 10 de Novembro de 1938, a Kristallnacht, deixando um prejuízo vultoso à população judaica, que teve 267 sinagogas e edifícios comunitários incendiados, dezenas de milhares saqueados e completamente destruídos. Nessas ações, cerca de 30 mil judeus foram presos e enviados aos campos de concentração, algumas mulheres também foram confinadas nas prisões locais.

A comunidade judaica recebeu uma pesada multa de 1 milhão de Reichmarks (cerca de U$ 400 mil dólares) pelos prejuízos causados pela Kristallnacht, pagos pelo confisco de 20% das propriedades de cada judeu alemão. Além do prejuízo material, os judeus foram obrigados a limpar toda a sujeira deixada pela destruição.
Após o pogrom, os judeus foram sistematicamente excluídos da vida pública. O mesmo se estendeu a crianças e aos adolescentes que, além de não poderem frequentar lugares públicos, foram expulsos de suas escolas.
A "MUDANÇA"

Depois da Kristallnacht, em 21 de Novembro de 1938, o Parlamento Britânico atendeu aos apelos do Comitê Britânico para Refugiados Judeus com um debate na Câmara dos Comuns.
Pressionados pela opinião pública e pela articulação do Comitê, o governo britânico permitiu a entrada de menores de 17 anos, desde que as pessoas e as organizações responsáveis pela vinda das crianças garantissem os custos da estadia, da educação e dos cuidados de cada criança; além de arcar com um depósito que custearia a passagem de volta dessas crianças aos seus lares. As crianças do Kindertransport receberam visto temporário, pois, tão logo a guerra terminasse, elas retornariam aos seus lares.
As entidades envolvidas no resgate (judaicas e não judaicas) se comprometeram com todas as condições impostas. Muitas famílias atenderam aos apelos da causa e se voluntariaram no recebimento dessas crianças refugiadas. Outras crianças foram recebidas em albergues, escolas ou em fazendas, espalhadas por toda a Grã-Bretanha.
O primeiro Kindertransport partiu com 196 crianças, retiradas de um orfanato em Berlim, que foi incendiado no pogrom da Kristallnacht e chegou a Harwich, na Grã-Bretanha, em 02 de Dezembro de 1938. O último Kindertransport saiu dos Países Baixos (Holanda) em 14 de Maio de 1940, quando o exército holandês se rendeu às forças militares alemãs.
"Nunca pude me esquecer da angústia estampada no rosto de meus pais."
Sobrevivente do Kindertransport

Memorial em lembrança ao Kindertransport - Liverpool St - England
Na parte 2 deste post, trarei alguns depoimentos e fotos de sobreviventes dos Kindertransport, bem como, a vida e a obra de algumas pessoas, que, por iniciativa própria, tomaram a responsabilidade de resgatar o máximo de crianças possíveis. E, dentro de suas limitações, foram bem sucedidas.
Vamos conhecer a história de Nicholas Winton, o "Schindler britânico", que, sozinho, organizou 8 Kindertransport e salvou 669 crianças. Winton foi um herói anônimo até que sua história foi descoberta e divulgada. Ele viveu para conhecer uma pequena parte das crianças que salvou, já adultas, e receber, ainda em vida, todas as homenagens merecidas.
Este artigo foi escrito com base em pesquisas:
Britannica Online Encyclopedia
Museu do Holocusto de Washington
Yad Vashem
The Kindertransport Association - England
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Até a próxima!
Aprendi mais alguns fatos que não conhecia."Leitura que acrescenta"
ResponderExcluirObrigada pelo feedback.
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