Houve situações em que a fúria antijudaica era direcionada ao patrimônio, causando prejuízos enormes e, ainda deixava uma "conta" a ser paga pela própria comunidade judaica lesada.
Existiu um outro tipo de manifestação ligada à destruição moral e espiritual. Esta, talvez até mais devastadora que as já citadas anteriormente, e que oferecia grande perigo à continuidade do Judaísmo. Isso visava enfraquecer o judeu no âmago de suas crenças, atingindo sua identidade judaica.
Nesta categoria, além da proibição do cumprimento das mitzvot (preceitos) essenciais à manutenção do Judaísmo, se encontrava a destruição dos meios (objetos) que viabilizavam e sustentavam os judeus nessas práticas: os seus livros sagrados.
Vale ressaltar que os ataques perpetrados contra os judeus podiam ter nos ingredientes a combinação de duas ou mais formas de agressão.
"VETALMUD TORÁ KENEGUED KULAM" - "E O ESTUDO DA TORÁ EQUIVALE A TODOS ELES (OS PRECEITOS JUDAICOS)"
Desde os primórdios, a vida judaica gira em torno de um livro: a Torá - a Bíblia judaica.
A Torá compreende uma parte escrita (Torá Escrita), ou seja, toda a estrutura dos 24 livros do Tanach e uma parte oral (Torá Oral), que foi transmitida de boca em boca pelas gerações e que, devido as perseguições e invasões à Terra de Israel, a partir do século 2, ganhou uma forma escrita, a Mishná.
A Mishná se ocupa no entendimento prático dos 613 mandamentos e suas ramificações, na maior parte das vezes citadas de forma muito reduzida na Torá Escrita. (Para saber mais sobre o assunto, acesse o link para o post A Periodização da História Judaica).
A palavra Torá advém da linguagem de Horaá - instrução e guia. Metaforicamente equivale a uma planta na mão de um arquiteto. Na Torá, o judeu encontra os instrumentos necessários para viver e lidar equilibradamente consigo mesmo, com o mundo a sua volta e com Seu Criador. Para o judeu, a Torá é a fonte de vida e a razão de sua existência e tem a função de iluminar o caminho que deve ser seguido.
O Talmud conta a seguinte história:
Quando os romanos dominavam a Terra de Israel (63 AEC - 324 EC), eles tentaram de todas as formas erradicar o Judaísmo. Na época, quem fosse pego estudando Torá estaria passível de pena de morte. Os romanos achavam que isso garantiria a descontinuidade do Judaísmo.
Rabi Akiva (50 EC - 135 EC), um dos maiores líderes do povo judeu de todos os tempos e que viveu naquela época, concluiu que a proibição do estudo da Torá colocava a integridade espiritual do povo judeu em risco. O sábio entendeu que esta era uma questão prioritária e, mesmo que colocasse em risco sua integridade física, manteve seus estudos, sem temer as consequências. E foi questionado por um colega.
Rabi Akiva respondeu com uma parábola:
Uma raposa caminhava ao longo de um rio, quando percebeu peixes nadando freneticamente de um lado para outro. Ela gritou: "De que estão fugindo?"
Os peixes responderam: "Dos pescadores e de suas redes!"
A raposa disse: "Venham para a terra seca! Nós viveremos juntos e em paz!"
Os peixes perguntaram: "Raposa, onde está sua esperteza? Se corremos perigo na água, que é nosso habitat natural, mais ainda na terra seca, que é morte certa!
Rabi Akiva concluiu: "Se estamos em perigo quando estudamos Torá, que é a fonte de nossa vida, mais ainda estaremos em perigo sem ela!".
Ainda sobre o estudo da Torá.
O Rabi Moshe ben Maimon, o Rambam (1135 -1204), destacou que o estudo da Torá era imprescindível porque levava à prática (Leis do Estudo da Torá 3:3). Já o Rabi Moshe ben Chaim Luzzatto (1707 - 1746) escreveu: "O estudo da Torá é uma necessidade autoevidente. Sem ele, é impossível servir a D-us, pois se não se sabe o que é ordenado a fazer, como pode fazê-lo?".
Os inimigos do povo judeu sabiam muito bem como e em quê atingir o povo judeu. Dado que os judeus estavam dispostos a arriscar suas vidas pela Torá, só restava-lhes investir contra o espírito do Judaísmo, contido nos livros sagrados.
A queima do(s) livro(s) do Povo do Livro foi considerada uma verdadeira catástrofe para o Judaísmo, a ponto de ser tema de uma Elegia (Kinot), composta pelo grande Maharam de Rothenburg, Rabi Meir ben Baruch (1215 -1293), lida em Tisha Beav (9 de Av).
A QUEIMA DO TALMUD: 1242
Depois de a Torá Oral (Mishná) ter sido compilada pelo grande Rabi Iehudá Hanassí, essa obra passou a ser intensamente debatida e estudada pelos sábios das gerações posteriores. Eventualmente, os resultados dessas discussões e comentários foram registrados e receberam o nome de Guemará.
A Mishná e a Guemará deram origem a duas grandes obras:
O grande estudioso contemporâneo do Talmud, Rabi Rabi Adin Steinzaltz escreveu: "Se a Torá é a pedra fundamental do Judaísmo, o Talmud é seu pilar central". O Talmud é tão essencial aos judeus, que, ao longo de sua existência, foi proibido por pelo menos 15 vezes, em diferentes épocas e países, por aqueles que tentavam destruir o Judaísmo.
Como a Bíblia (a Torá Escrita) era uma obra comum entre as religiões judaica e cristã, alguns líderes da Igreja concluíram que o Talmud, por ser uma obra de uso e estudo exclusivo dos judeus, os mantinha fortes na sua fé. Sem ele, os judeus se tornariam mais vulneráveis à ideia de conversão ao Cristianismo. Foi com esta justificativa que o Talmud passou a ser atacado.
O caso mais emblemático de investida contra o Talmud ocorreu em Paris, no ano de 1242, quando 24 carroças repletas com os manuscritos do livro foram queimadas em praça pública.
Vamos aos fatos!
O apóstata Nicholas Donin, ex-aluno da Ieshivá do ilustre Rabi Iechiel ben Iossef, de Paris, conhecendo as tendências antijudaicas da Igreja Católica, denunciou formalmente ao Papa Gregório IX, a magna obra do Talmud. Na oportunidade, Donin apontou 35 fragilidades da fé cristã, trazidas e discutidas no Talmud e, que, do ponto de vista das doutrinas católicas eram heréticas, portanto, passíveis de penalidade, caso comprovadas.
Antes de cumprir as determinações do Papa, que ordenava a queima de livros heréticos, o Rei Luis IX decidiu fazer um debate, no qual quatro das maiores autoridades rabínicas da França, inclusive o Rabi Iechiel de Paris, foram "convidadas" a responder às acusações de Donin.
Esse episódio ficou conhecido como Mishpat Paris - o Julgamento de Paris e, foi considerado pelos historiadores como uma farsa jurídica, haja vista que a condenação do Talmud era iminente. Ao final, conforme o previsto, o Talmud foi condenado.
O Rei Luis IX ordenou o confisco de todos os exemplares das Sinagogas, Ieshivot e de particulares. Dois anos depois, a pena foi cumprida em 17 de Junho. Essa catástrofe afligiu a comunidade judaica francesa, não somente pelo desrespeito à santidade do Talmud, mas pela dificuldade encontrada na aquisição da obra. A destruição deixou as Ieshivot sem nenhum exemplar para o estudo. E aqui, mais uma vez, os judeus mostraram a capacidade de superação e não deixaram que este episódio determinasse o fim do Judaísmo francês. Tomando a dianteira, Rabi Iechiel de Paris continuou ensinando o Talmud a seus alunos usando sua memória e a experiência de anos de estudo da obra.
A Mishná e a Guemará deram origem a duas grandes obras:
- O Talmud Ierushalmi (de Jerusalém), compilado em hebraico, na Terra de Israel, no século 4, pelo grande sábio Rabi Iochanan.
- O Talmud Bavli (da Babilônia), compilado em aramaico, na Babilônia, no final do século 5, pelos grandes sábios Rav Ashi e Ravina.
O grande estudioso contemporâneo do Talmud, Rabi Rabi Adin Steinzaltz escreveu: "Se a Torá é a pedra fundamental do Judaísmo, o Talmud é seu pilar central". O Talmud é tão essencial aos judeus, que, ao longo de sua existência, foi proibido por pelo menos 15 vezes, em diferentes épocas e países, por aqueles que tentavam destruir o Judaísmo.
Como a Bíblia (a Torá Escrita) era uma obra comum entre as religiões judaica e cristã, alguns líderes da Igreja concluíram que o Talmud, por ser uma obra de uso e estudo exclusivo dos judeus, os mantinha fortes na sua fé. Sem ele, os judeus se tornariam mais vulneráveis à ideia de conversão ao Cristianismo. Foi com esta justificativa que o Talmud passou a ser atacado.
O caso mais emblemático de investida contra o Talmud ocorreu em Paris, no ano de 1242, quando 24 carroças repletas com os manuscritos do livro foram queimadas em praça pública.
Vamos aos fatos!
O apóstata Nicholas Donin, ex-aluno da Ieshivá do ilustre Rabi Iechiel ben Iossef, de Paris, conhecendo as tendências antijudaicas da Igreja Católica, denunciou formalmente ao Papa Gregório IX, a magna obra do Talmud. Na oportunidade, Donin apontou 35 fragilidades da fé cristã, trazidas e discutidas no Talmud e, que, do ponto de vista das doutrinas católicas eram heréticas, portanto, passíveis de penalidade, caso comprovadas.
Antes de cumprir as determinações do Papa, que ordenava a queima de livros heréticos, o Rei Luis IX decidiu fazer um debate, no qual quatro das maiores autoridades rabínicas da França, inclusive o Rabi Iechiel de Paris, foram "convidadas" a responder às acusações de Donin.
Esse episódio ficou conhecido como Mishpat Paris - o Julgamento de Paris e, foi considerado pelos historiadores como uma farsa jurídica, haja vista que a condenação do Talmud era iminente. Ao final, conforme o previsto, o Talmud foi condenado.
O Rei Luis IX ordenou o confisco de todos os exemplares das Sinagogas, Ieshivot e de particulares. Dois anos depois, a pena foi cumprida em 17 de Junho. Essa catástrofe afligiu a comunidade judaica francesa, não somente pelo desrespeito à santidade do Talmud, mas pela dificuldade encontrada na aquisição da obra. A destruição deixou as Ieshivot sem nenhum exemplar para o estudo. E aqui, mais uma vez, os judeus mostraram a capacidade de superação e não deixaram que este episódio determinasse o fim do Judaísmo francês. Tomando a dianteira, Rabi Iechiel de Paris continuou ensinando o Talmud a seus alunos usando sua memória e a experiência de anos de estudo da obra.
A QUEIMA DOS LIVROS PELA HISTÓRIA
Infelizmente, o episódio de Paris não foi um caso isolado. Antes e depois dele tivemos alguns momentos em que o Talmud e outros livros sagrados foram atacados. Mas, deixaremos este assunto para uma outra ocasião.
Até a próxima!
Em 1933, Nazistas queimam livros judaicos