terça-feira, 31 de julho de 2018

A QUEIMA DO TALMUD:1242

Ao longo da história, os judeus foram hostilizados de diversas maneiras, desde uma "simples" ofensa verbal (ou escrita) aos casos mais graves de violência física, que, em muitas circunstâncias, culminava com a morte do indivíduo ou o assassinato em massa de sua comunidade. 

Houve situações em que a fúria antijudaica era direcionada ao patrimônio, causando prejuízos enormes e, ainda deixava uma "conta" a ser paga pela própria comunidade judaica lesada.

Existiu um outro tipo de manifestação ligada à destruição moral e espiritual. Esta, talvez até mais devastadora que as já citadas anteriormente, e que oferecia grande perigo à continuidade do Judaísmo. Isso visava enfraquecer o judeu no âmago de suas crenças, atingindo sua identidade judaica. 

Nesta categoria, além da proibição do cumprimento das mitzvot (preceitos) essenciais à manutenção do Judaísmo, se encontrava a destruição dos meios (objetos) que viabilizavam e sustentavam os judeus nessas práticas: os seus livros sagrados.

Vale ressaltar que os ataques perpetrados contra os judeus podiam ter nos ingredientes a combinação de duas ou mais formas de agressão.



                           Impressão antiga do Talmud com o comentário do exegeta Rashi 



"VETALMUD TORÁ KENEGUED KULAM" - "E O ESTUDO DA TORÁ EQUIVALE A TODOS ELES (OS PRECEITOS JUDAICOS)"


Desde os primórdios, a vida judaica gira em torno de um livro: a Torá - a Bíblia judaica. 

A Torá compreende uma parte escrita (Torá Escrita), ou seja, toda a estrutura dos 24 livros do Tanach e uma parte oral (Torá Oral), que foi transmitida de boca em boca pelas gerações e que, devido as perseguições e invasões à Terra de Israel, a partir do século 2, ganhou uma forma escrita, a Mishná. 

A Mishná se ocupa no entendimento prático dos 613 mandamentos e suas ramificações, na maior parte das vezes citadas de forma muito reduzida na Torá Escrita. (Para saber mais sobre o assunto, acesse o link  para o post A Periodização da História Judaica).

A palavra Torá advém da linguagem de Horaá - instrução e guia. Metaforicamente equivale a uma planta na mão de um arquiteto. Na Torá, o judeu encontra os instrumentos necessários para viver e lidar equilibradamente consigo mesmo, com o mundo a sua volta e com Seu Criador.  Para o judeu, a Torá é a fonte de vida e a razão de sua existência e tem a função de iluminar o caminho que deve ser seguido

O Talmud conta a seguinte história: 

Quando os romanos dominavam a Terra de Israel (63 AEC - 324 EC), eles tentaram de todas as formas erradicar o Judaísmo. Na época, quem fosse pego estudando Torá estaria passível de pena de morte. Os romanos achavam que isso garantiria a descontinuidade do Judaísmo.

Rabi Akiva (50 EC - 135 EC), um dos maiores líderes do povo judeu de todos os tempos e que viveu naquela época, concluiu que a proibição do estudo da Torá colocava a integridade espiritual do povo judeu em risco. O sábio entendeu que esta era uma questão prioritária e, mesmo que colocasse em risco sua integridade física, manteve seus estudos, sem temer as consequências. E foi questionado por um colega.

Imagem relacionadaRabi Akiva respondeu com uma parábola:

Uma raposa caminhava ao longo de um rio, quando percebeu peixes nadando freneticamente de um lado para outro. Ela gritou: "De que estão fugindo?"

Os peixes responderam: "Dos pescadores e de suas redes!"

A raposa disse: "Venham para a terra seca! Nós viveremos juntos e em paz!"

Os peixes perguntaram: "Raposa, onde está sua esperteza? Se corremos perigo na água, que é nosso habitat natural, mais ainda na terra seca, que é morte certa!

Rabi Akiva concluiu: "Se estamos em perigo quando estudamos Torá, que é a fonte de nossa vida, mais ainda estaremos em perigo sem ela!".


Ainda sobre o estudo da Torá.


O Rabi Moshe ben Maimon, o Rambam (1135 -1204), destacou que o estudo da Torá era imprescindível porque levava à prática (Leis do Estudo da Torá 3:3). Já o Rabi Moshe ben Chaim Luzzatto (1707 - 1746) escreveu: "O estudo da Torá é uma necessidade autoevidente. Sem ele, é impossível servir a D-us, pois se não se sabe o que é ordenado a fazer, como pode fazê-lo?". 

Os inimigos do povo judeu sabiam muito bem como e em quê atingir o povo judeu. Dado que os judeus estavam dispostos a arriscar suas vidas pela Torá, só restava-lhes investir contra o espírito do Judaísmo, contido nos livros sagrados.

A queima do(s) livro(s) do Povo do Livro foi considerada uma verdadeira catástrofe para o Judaísmo, a ponto de ser tema de uma Elegia (Kinot), composta pelo grande Maharam de Rothenburg, Rabi Meir ben Baruch (1215 -1293),  lida em Tisha Beav (9 de Av).  


A QUEIMA DO TALMUD: 1242



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Depois de a Torá Oral (Mishná) ter sido compilada pelo grande Rabi Iehudá Hanassí, essa obra passou a ser intensamente debatida e estudada pelos sábios das gerações posteriores. Eventualmente, os resultados dessas discussões e comentários foram registrados e receberam o nome de Guemará. 

A Mishná e a Guemará deram origem a duas grandes obras: 
  • O Talmud Ierushalmi (de Jerusalém), compilado em hebraico, na Terra de Israel, no século 4, pelo grande sábio Rabi Iochanan.
  • O Talmud Bavli (da Babilônia), compilado em aramaico, na Babilônia, no final do século 5, pelos grandes sábios Rav Ashi e Ravina.

O grande estudioso contemporâneo do Talmud, Rabi Rabi Adin Steinzaltz escreveu: "Se a Torá é a pedra fundamental do Judaísmo, o Talmud é seu pilar central". O Talmud é tão essencial aos judeus, que, ao longo de sua existência, foi proibido por pelo menos 15 vezes, em diferentes épocas e países, por aqueles que tentavam destruir o Judaísmo.

Como a Bíblia (a Torá Escrita) era uma obra comum entre as religiões judaica e cristã, alguns líderes da Igreja concluíram que o Talmud, por ser uma obra de uso e estudo exclusivo dos judeus, os mantinha fortes na sua fé. Sem ele, os judeus se tornariam mais vulneráveis à ideia de conversão ao Cristianismo. Foi com esta justificativa que o Talmud passou a ser atacado.

O caso mais emblemático de investida contra o Talmud ocorreu em Paris, no ano de 1242, quando 24 carroças repletas com os manuscritos do livro foram queimadas em praça pública. 

Vamos aos fatos! 

O apóstata Nicholas Donin, ex-aluno da Ieshivá do ilustre Rabi Iechiel ben Iossef, de Paris, conhecendo as tendências antijudaicas da Igreja Católica, denunciou formalmente ao Papa Gregório IX, a magna obra do Talmud. Na oportunidade, Donin apontou 35 fragilidades da fé cristã, trazidas e discutidas no Talmud e, que, do ponto de vista das doutrinas católicas eram heréticas, portanto, passíveis de penalidade, caso comprovadas.  

Antes de cumprir as determinações do Papa, que ordenava a queima de livros heréticos, o Rei Luis IX decidiu fazer um debate, no qual quatro das maiores autoridades rabínicas da França, inclusive o Rabi Iechiel de Paris, foram "convidadas" a responder às acusações de Donin.

Esse episódio ficou conhecido como Mishpat Paris - o Julgamento de Paris e, foi considerado pelos historiadores como uma farsa jurídica, haja vista que a condenação do Talmud era iminente. Ao final, conforme o previsto, o Talmud foi condenado.

O Rei Luis IX ordenou o confisco de todos os exemplares das Sinagogas, Ieshivot e de particulares. Dois anos depois, a pena foi cumprida em 17 de Junho. Essa catástrofe afligiu a comunidade judaica francesa, não somente pelo desrespeito à santidade do Talmud, mas pela dificuldade encontrada na aquisição da obra. A destruição deixou as Ieshivot sem nenhum exemplar para o estudo. E aqui, mais uma vez, os judeus mostraram a capacidade de superação e não deixaram que este episódio determinasse o fim do Judaísmo francês. Tomando a dianteira, Rabi Iechiel de Paris continuou ensinando o Talmud a seus alunos usando sua memória e a experiência de anos de estudo da obra.

A QUEIMA DOS LIVROS PELA HISTÓRIA


Infelizmente, o episódio de Paris não foi um caso isolado. Antes e depois dele tivemos alguns momentos em que o Talmud e outros livros sagrados foram atacados. Mas, deixaremos este assunto para uma outra ocasião.

Até a próxima!




                                             Em 1933, Nazistas queimam livros judaicos

quinta-feira, 26 de julho de 2018

KINDERTRANSPORT - O TRANSPORTE DE CRIANÇAS 2/2

Depois do pogrom da Kristallnacht - A Noite dos Vidros Quebrados, ocorrido nos dias 9 e 10 de Novembro de 1938, em "represália" ao assassinato de um oficial do segundo escalão da embaixada alemã, em Paris, a situação dos judeus na Alemanha e Áustria, já bastante deteriorada, tornou-se beirando ao insuportável.

Além do prejuízo financeiro vultoso, fruto das destruição, saques de bens e propriedades judaicas (lojas, edifícios comunitários e sinagogas), envio de dezenas de milhares de homens aos Campos de Concentração, do confinamento de mulheres nas prisões locais e da pesada multa de 1 milhão de Reichmarks (cerca de US$ 400 mil dólares) que tiveram que arcar pelas ruínas deixadas, os judeus foram afetados por novas sanções que, sistematicamente, os excluíram da vida pública. As restrições impostas aos adultos atingiram crianças e adolescentes judeus, que, em acréscimo às proibições impostas aos adultos, foram expulsos de suas escolas.



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Na tentativa de salvar as crianças dos pesadelos da guerra, pessoas e entidades judaicas e não judaicas, se mobilizaram em tentativas informais de resgate e organizaram os chamados Kindertransport - Transportes de Crianças. A Grã-Bretanha aceitou receber temporariamente essas crianças, desde que houvesse garantias com os custos da estadia, da educação e dos cuidados de cada criança. Foi exigido, também, um depósito em dinheiro para custear a passagem de volta aos seus lares. 

O Estado inglês não queria ser onerado em nenhuma despesa relacionada a essas crianças. E, por outro lado, houve comprometimento de que as condições impostas pela Grã-Bretanha fossem cumpridas. O trabalho de triagem das crianças foi iniciado.

As crianças em zona de risco, aquelas que não podiam ser cuidadas por seus pais, ou porque eles estavam nos Campos de Concentração ou porque já haviam morrido, eram priorizadas. Os Kindertransport atuaram entre os anos de 1938 e 1940 e salvaram aproximadamente 10.000 crianças entre 2 e 17 anos. As crianças viajavam desacompanhadas.

Passaram-se muitos anos. As crianças cresceram e viraram adultos. 

Neste post vamos dar voz a elas. Aos seus sentimentos. Às suas histórias. Essas crianças foram sobreviventes, não somente do terror Nazista e das agruras da guerra, mas por terem, sozinhas, recomeçado suas vidas, apesar de estarem longe de seus pais, de suas famílias e de seus lares.

O início da história das crianças dos Kindertransport "parece" similar: uma infância feliz, pais amorosos e cercados de todos os mimos.  Até a Kristallnacht... quando, por amor aos filhos, os pais decidiram embarcá-los em trens repletos de crianças, rumo ao desconhecido.


MEMÓRIAS EM UMA MALA



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Heinz Wolfgang Finke, nascido em 1924, em Insterburg (Alemanha). O pai, Arthur-Otto, tinha um comércio de roupas, inclusive, vendia uniformes de polícia. A mãe era uma dona de casa e tocava piano nos eventos da comunidade. Heinz tinha um irmão mais novo, Ernest. A avó, Hedwig Markiewitz, morava com eles.

Na Kristallnacht foram acordados no meio da noite e levados à delegacia de polícia. As mulheres e as crianças foram liberadas logo pela manhã, mas o pai de Heinz permaneceu preso por várias semanas. Esse evento traumatizante levou os pais de Heinz a procurar uma rota de fuga para salvar, pelo menos, os filhos. 

Heinz foi incluído no Kindertransport e partiu da Alemanha, em Junho de 1939. Seu irmão caçula permaneceu com os pais. Em uma semana, ele empacotou todos os seus pertences em duas malas. Na tampa de uma delas estava a lista de todas as roupas que levava (a mala se encontra preservada no Museu Yad Vashem, em Jerusalém).

Ao chegar na Inglaterra, Heinz e alguns meninos foram enviados a um albergue na cidade de Claydon (Suffolk). Aos 15 anos, trabalhou numa colheita de frutas. Posteriormente, ele foi transferido para outro albergue, na cidade de Walsall, perto de Birminghan, sob responsabilidade de um comitê local. 

Uma vez por mês, Heinz recebia uma carta de seus pais por intermédio da Cruz Vermelha. Em meados de 1942, sua avó escreveu-lhe para dizer que seus pais e seu irmão haviam "saído". Desde então, ele nunca mais ouviu falar de sua família. 

Após a queda de Dunquerque, em 1940, a Inglaterra adotou a política (absurda) de que os refugiados judeus que escaparam da Alemanha Nazista, com mais de 16 anos, deveriam ser "devolvidos" aos Campos de Concentração como "estrangeiros inimigos", junto com prisioneiros de guerra alemães. Eram "estrangeiros" e "inimigos".

Para a sorte de Heinz, ele ainda não completara 16 anos. Assim, pôde ficar com os garotos de cidadania polonesa, considerados "estrangeiros amigáveis". Depois de muita pressão da opinião pública, os jovens refugiados passaram a ser considerados "estrangeiros amigáveis de origem inimiga" e nessa categoria, era proibidos de trabalhar em áreas de Segurança Nacional.

Com o final da guerra, Heinz defrontou-se com a dura realidade: sua família não voltaria. Mas, ele não desistiu, saiu em busca de parentes nas listas de sobreviventes, encontrando uma tia de Berlim,  Ursula Finke. Ursula estava escondia quando foi delatada por informantes. Depois de uma tentativa frustrada de suicídio, ela foi hospitalizada no Hospital Judaico de Berlim, onde permaneceu até o final da Guerra. 

Heinz conheceu sua esposa Thelma ao visitar Birminghan. Em 1956, eles se casaram e tiveram dois filhos, Ruth e Arthur Finke. Ambos moram na Inglaterra.


"QUEM SALVA UMA VIDA, SALVA O MUNDO INTEIRO" (TALMUD)


Nicholas Winton holds a boy who was being flown from Prague to London in January 1939.
Nicholas Winton nasceu em 18 de Maio de 1909, em West Hampstead, Inglaterra. De ascendência judaica (Wertheimer) foi batizado na Igreja Anglicana. Trabalhava como Corretor da Bolsa de Valores.

A guinada na vida de Nicholas Winton aconteceu em Dezembro de 1938, quando um amigo pediu que renunciasse às suas planejadas férias de esqui e se juntasse a ele na Tchecoslováquia, onde viajara pelo Comitê Britânico para Refugiados, naquele país. Winton aceitou o convite, e juntos visitaram campos de refugiados nos Sudetos, lotados de judeus e oponentes do regime político (nazista) da região.

Winton ficou alarmado com a truculência com que os Nazistas tratavam a comunidade judaica, principalmente depois da Kristallnacht. Quando tomou conhecimento dos Kindertransport, reuniu um pequeno grupo de amigos e passou a organizar uma operação similar.

Sem autorização, Wintou usou o nome do Comitê para criar a seção infantil do Comitê Britânico para Refugiados da Tchecoslováquia, que funcionava no hotel em que estava hospedado. Logo, as longas filas de pais que buscavam um "porto seguro" para seus filhos, na frente do hotel, fizeram que ele abrisse um escritório no centro de Praga.

O idealista inglês viajou para Londres a fim de levantar as verbas para a absorção das crianças refugiadas na Grã-Bretanha. Winton precisava encontrar famílias dispostas a receber essas crianças em suas casas. O dia de Nicholas Winton era intenso: durante o dia, ele continuava como corretor na Bolsa de Valores de Londres e, à noite, se dedicava ao resgate das crianças.

O primeiro Kindertransport organizado por Winton, foi um voo de Praga para Londres, no dia 14 de Março de 1939. Os outros sete transportes seguiram, primeiramente, de trem de Praga e da Alemanha e, depois, de navio, à Grã-Bretanha, onde, os pais adotivos já aguardavam "suas" crianças. O último trem deixou Praga em 2 de Agosto de 1939, quando a Alemanha invadiu a Polônia dando início à 2ª Guerra Mundial, em Setembro de 1939. Nicholas Winton resgatou 669 crianças.



"Não existe futuro, se eles (as crianças judias) permanecerem onde estão"


Trecho da carta escrita por Nicholas Winton ao Presidente Roosevelt



Os esforços empreendidos por Nicholas Winton ficaram desconhecidos do mundo até 1988, quando sua esposa, Grete, encontrou, no sótão da residência, um álbum com as fotos e uma lista completa com o nome das crianças resgatadas.

Desde lá, Winton recebeu muitas homenagens. Em 2012, foi condecorado pelas mãos da Rainha Elizabeth II, com o título de cavaleiro e também se tornou cidadão honorário da República Tcheca, em 2008.  

Sir Nicholas Winton morreu aos 106 anos de idade, em 2015.




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Até a próxima!

terça-feira, 24 de julho de 2018

KINDERTRANSPORT - O TRANSPORTE DAS CRIANÇAS 1/2


KINDERTRANSPORT OU TRANSPORTE DE CRIANÇAS: 1938 - 1940




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                                                               Crianças chegando em Londres, em 1939

A situação dos judeus estava ficando insuportável na Alemanha e regiões vizinhas. 

O aumento das perseguições e da violência, principalmente depois da Kristallnacht - A Noite dos Vidros Quebrados (a explicação está na continuação deste artigo), em 1938, mobilizou algumas pessoas e organizações, em tentativas informais de resgate de crianças judias e refugiadas das zonas de guerra, levando-as a salvo para a Grã-Bretanha, onde poderiam esperar com segurança até que a guerra acabasse, para, somente então, retornarem aos seus lares. 


As crianças viajavam desacompanhadas de seus pais e, algumas, em tenra idade, eram carregadas por crianças maiores.  Esses transportes ficaram conhecidos como os Kindertransport ou Transporte de Crianças e foram responsáveis pelo salvamento de cerca de 10.000 crianças do inferno da guerra; destas, 7.500 eram judias.

A maioria das crianças dos Kindertransport vinha de trem de lugares como Viena, Berlim, Praga e de outras grandes cidades. As crianças de pequenas cidades e aldeias viajavam até as grandes cidades citadas a fim de se juntar ao transporte e atravessar as fronteiras da Holanda e da Bélgica. De lá, cruzavam o oceano em direção à Inglaterra.


Geralmente, as crianças beneficiadas pelos Kindertransport estavam em situação de risco. Seus pais estavam confinados nos campos de concentração ou já eram órfãs.


Eu pergunto: "quem vai cuidar de mim, quem vai me dizer onde sair e por que não podemos ir todos juntos?"

Papai me pega e me coloca no colo. Ele diz: "É assim que deve ser e você tem que ser um bom menino e fazer o que as senhoras no trem lhe dizem para fazer. Você não é mais um bebê, mas um menino grande de 7 anos!"


KURT FUNCHEL, uma das crianças salvas no Kindertransport.



ANTECEDENTES HISTÓRICOS (1933 - 1938)


Desde que Adolf Hitler foi nomeado chancheler alemão, em 30 de Janeiro de 1933, o destino dos judeus parecia estar selado. Hitler sempre foi bem claro sobre sua política de integridade e superioridade racial do povo alemão e, esta, não incluía, definitivamente, os judeus. Sua missão era expor e destruir a ameaça representada pelos judeus à qualidade da raça ariana.

Um outro agravante: Hitler culpava os judeus pela grande derrota e pela humilhação sofrida pela Alemanha, na Primeira Grande Guerra. Mesmo que os judeus houvessem lutado lado a lado na guerra e morressem como patriotas alemães. E, depois da guerra, se esforçaram pela reconstrução do Estado, eles continuaram estigmatizados e vitimizados com as crescentes ondas de antissemitismo que assolaram o país.

Hitler subiu ao poder com o discurso nacionalista que pregava a reconstrução e o restabelecimento da dignidade alemã. Isso envolvia a criação da Grande Alemanha e a devolução das colônias alemãs perdidas à Alemanha após a derrota da Guerra.

Aproveitando-se de uma manobra política, Hitler foi rapidamente ganhando espaço em busca de solidificar sua ditadura. Expropriou todos os prédios do Partido Comunista. Fechou organizações pacifistas. Todos os que eram considerados inimigos do regime foram presos e torturados (muitas vezes até a morte). A propaganda antijudaica era muito forte em toda a Alemanha.

Já em 22 de Março, quase dois meses depois de assumir a chancelaria, deu-se a construção do primeiro campo de concentração (Dachau), administrado pelo violento pelotão da SA (inicialmente a força paramilitar nazista era chamada de "Sturmabteilung" ou "Divisões de Assalto"). Em 1º de Abril veio o boicote aos negócios e lojas de judeus. Uma semana depois, foi a vez do decreto de afastamento dos judeus do funcionalismo público, do exército e das universidade. Enquanto isso, o terror imperava nas ruas.

Os judeus assistiam impotentes a tudo isso. Não podiam acreditar que, após séculos de permanência, de integração à sociedade alemã e de importantes contribuições às ciências, à medicina, às artes em geral e às indústrias alemãs, estivessem sendo escanteados de maneira vil e desleal. Dezenas de milhares de judeus deixaram a Alemanha. Com o escasseamento dos vistos de saída, logo o fluxo de emigração diminuiu, haja vista a dificuldade e a disposição dos países em receber os imigrantes judeus fugidos da guerra.

Em 2 de Agosto de 1934, com a morte de Alfred Hinderburg, Hitler se proclamou Führer  (líder) e Reichskanzler (chanceler) da Alemanha. Com isso, a máquina militar passou a servi-lo com lealdade e obediência. Vieram as leis raciais de Nuremberg (1935), quando os judeus deixaram de ser cidadãos alemães e foram proibidos de casar com arianos.

Em 17 de Junho de 1937, mais outro golpe: a nomeação como chefe da polícia alemã do sanguinário Heinrich Himmler, idealizador dos Campos de Concentração Nazistas, responsáveis pela eliminação de dois terços dos judeus da Europa.  A solução final de extermínio dos judeus estava ganhando forma.

Em 1938, a Alemanha anexou a Áustria e todos os decretos antissemitas passaram a vigorar também naquele país. Entendendo a urgência dos judeus deixarem a Alemanha Nazista, o Presidente dos Estados Unidos, Franklin Roosevelt, convocou uma conferência, que teve lugar em Évian-les-Bains (França), em 6 de Julho de 1938.  Trinta e dois países estavam representados na reunião. Infelizmente, e apesar dos grandes discursos, o encontro não foi bem sucedido, pois a maioria dos países demonstrou falta de vontade para receber os novos imigrantes judeus.

Em 28 de Outubro, dezessete mil judeus poloneses, que viviam na Alemanha, foram expulsos e  exilados na Polônia.

KRISTALLNACHT - A NOITE DOS VIDROS QUEBRADOS 


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Durante os cinco primeiros anos no poder, os Nazistas conseguiram transformar em miserável a vida dos judeus. Mas a ferocidade da perseguição pré-guerra atingiu seu ápice no episódio que ficou conhecido como Kristallnacht - A Noite dos Vidros Quebrados, um grande pogrom orquestrado nos bastidores pelo ministro da propaganda Nazista Joseph Goebbels.

Nos bastidores, sim!  Vamos (resumidamente) aos fatos!

O tratamento dispensado a seus familiares na Alemanha (lembrem que os judeus poloneses foram expulsos da Alemanha) motivou o jovem judeu Herschel Gryspan a entrar na embaixada alemã, em Paris, e assassinar a tiros um oficial Nazista do segundo escalão.

Os alemães precisaram somente de um pretexto para retaliar e desencadear uma ação antissemita nacional, sem precedentes. O assassinato em Paris foi perfeito!

Organizado pelo Partido Nazista e bem orientado por Goebbels, o pogrom deveria parecer como uma revolta espontânea da população. Soldados da SA trocaram suas fardas por roupas civis e atacaram selvagemente seus objetivos: os judeus e suas propriedades.

Na Alemanha e na Áustria, nas noites de 9 e 10 de Novembro de 1938, a Kristallnacht, deixando um prejuízo vultoso à população judaica, que teve 267 sinagogas e edifícios comunitários incendiados, dezenas de milhares saqueados e completamente destruídos.  Nessas ações, cerca de 30 mil judeus foram presos e enviados aos campos de concentração, algumas mulheres também foram confinadas nas prisões locais.


Ver a imagem de origem



A comunidade judaica recebeu uma pesada multa de 1 milhão de Reichmarks (cerca de U$ 400 mil dólares) pelos prejuízos causados pela Kristallnacht, pagos pelo confisco de 20% das propriedades de cada judeu alemão. Além do prejuízo material, os judeus foram obrigados a limpar toda a sujeira deixada pela destruição.

Após o pogrom, os judeus foram sistematicamente excluídos da vida pública.  O mesmo se estendeu a crianças e aos adolescentes que, além de não poderem frequentar lugares públicos, foram expulsos de suas escolas.

A "MUDANÇA"



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Apesar da situação caótica, poucos países abriram suas fronteiras para a entrada de refugiados judeus. Os poucos judeus que conseguiram sair da Alemanha tiveram que deixar para trás todas as suas posses e dinheiro.

Depois da Kristallnacht, em 21 de Novembro de 1938, o Parlamento Britânico atendeu aos apelos do Comitê Britânico para Refugiados Judeus com um debate na Câmara dos Comuns. 

Pressionados pela opinião pública e pela articulação do Comitê, o governo britânico permitiu a entrada de menores de 17 anos, desde que as pessoas e as organizações responsáveis pela vinda das crianças garantissem os custos da estadia, da educação e dos cuidados de cada criança; além de arcar com um depósito que custearia a passagem de volta dessas crianças aos seus lares. As crianças do Kindertransport receberam visto temporário, pois, tão logo a guerra terminasse, elas retornariam aos seus lares.

As entidades envolvidas no resgate (judaicas e não judaicas) se comprometeram com todas as condições impostas. Muitas famílias atenderam aos apelos da causa e se voluntariaram no recebimento dessas crianças refugiadas. Outras crianças foram recebidas em albergues, escolas ou em fazendas, espalhadas por toda a Grã-Bretanha.

O primeiro Kindertransport partiu com 196 crianças, retiradas de um orfanato em Berlim, que foi incendiado no pogrom da Kristallnacht e chegou a Harwich, na Grã-Bretanha, em 02 de Dezembro de 1938. O último Kindertransport saiu dos Países Baixos (Holanda) em 14 de Maio de 1940, quando o exército holandês se rendeu às forças militares alemãs.


"Nunca pude me esquecer da angústia estampada no rosto de meus pais."


Sobrevivente do Kindertransport


Com o fim da Segunda Grande Guerra, as crianças do Kindertransport receberam a cidadania britânica. Muitos emigraram para Israel, Estados Unidos, Canadá e Austrália. Certo mesmo é que a grande maioria das crianças nunca mais encontrou seus pais.



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                                    Memorial em lembrança ao Kindertransport - Liverpool St - England


Na parte 2 deste post, trarei alguns depoimentos e fotos de sobreviventes dos Kindertransport, bem como, a vida e a obra de algumas pessoas, que, por iniciativa própria, tomaram a responsabilidade de resgatar o máximo de crianças possíveis. E, dentro de suas limitações, foram bem sucedidas. 

Vamos conhecer a história de Nicholas Winton, o "Schindler britânico", que, sozinho, organizou 8 Kindertransport e salvou 669 crianças. Winton foi um herói anônimo até que sua história foi descoberta e divulgada. Ele viveu para conhecer uma pequena parte das crianças que salvou, já adultas, e receber, ainda em vida, todas as homenagens merecidas.


Este artigo foi escrito com base em pesquisas:

Britannica Online Encyclopedia
Museu do Holocusto de Washington
Yad Vashem
The Kindertransport Association - England





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Até a próxima!















 


quinta-feira, 19 de julho de 2018

TISHA BEAV

No dia 01 de julho último, os judeus entraram no Bên Hametzarim - "em meio às aflições", um período de três semanas de duração, assim denominado, em referência ao versículo do Tanach, "Todos os seus perseguidores a sobrepujaram em meio às aflições" (Eichá - Lamentações 1:3).  As três semanas começaram com o jejum de 17 (do mês judaico) de Tamuz e se encerrará com o Tishá Beav - o dia 9 (do mês judaico) de Av, considerado o dia mais triste do Calendário Judaico. 
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Mesmo não sendo a proposta deste blog (e, considerando a importância da data) divulgo os horários do jejum (São Paulo):
Início do Jejum - 21/Jul/2018 - às 17h39
Término do Jejum (c/Havdalá) dia 22/Jul/2018 - às 18h09

Para saber mais sobre essas leis, clique no link.

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Muitos eventos trágicos da História Judaica aconteceram em Tishá Beav e é por esse esse dia é marcado e lembrado pelo luto e pela tristeza.

Vamos aos fatos!








1. O PECADO DOS ESPIÕES: 1312 AEC


A primeira vez em que a data de Tishá Beav entrou para a história dos judeus foi no deserto, logo depois da saída do Egito, no episódio bíblico conhecido como o Pecado dos Espiões. Na linha do tempo se encontra dentro do 1º Período da História Judaica (vide post Os Períodos da História Judaica 1/1).

O livro de Bamidbar (o quarto, dos cinco livros da Torá) traz o seguinte relato:

Vias de entrar na Terra Prometida, o povo de Israel pede a Moisés, como parte da estratégia de guerra, que envie espiões para que observar a Terra. Com a concordância de D-us, Moisés escolheu 12 espiões, que eram os líderes de suas tribos, homens dos mais conhecidos e distintos (anashim).

Na lista dos espiões encontrava-se o nome Iehoshua (Josué), representando a tribo de Efraim. Posteriormente, Josué sucedeu Moisés na liderança do povo e foi ele quem comandou a conquista e o assentamento das tribos na Terra de Israel. 

Após 40 dias em missão, na noite de Tishá Beav, os espiões retornaram. "Realmente é uma terra que emana leite e mel, entretanto ...",  primeiro, eles elogiaram Israel, depois amedrontaram o povo, citando os gigantes, as cidades fortificadas e as frutas monstruosas. "Os habitantes da Terra de Israel eram tão altos, que nós parecíamos gafanhotos ao lado deles". E deram um parecer não solicitado: a missão era suicida e os israelitas seriam massacrados. 

Apesar dos argumentos de Josué e de Kalev, representante da tribo de Iehudá (Judá), o povo acreditou nos 10 espiões. Eles choraram e se enlutaram, antecipando uma possível catástrofe. O povo se voltou contra Moisés: "Você nos trouxe para morrer no deserto?" - perguntaram em fúria. 

Aquelas não entraram em Israel. Os israelitas ficaram 40 anos perambulando pelo deserto até que toda aquela geração morresse e fosse renovada. Mas, não parou por aí. Por terem chorado sem motivo, diz o Talmud (Taanit 29a), foi lhes dado um motivo para chorar (nesse dia) pelas gerações futuras. 


2. O PRIMEIRO TEMPLO (BEIT HAMIKDASH) FOI DESTRUÍDO: 586 AEC


Ocorrida no ano de 586 AEC, a destruição do 1º Templo foi praticada pelos babilônios, sob o comando de (Nevuchadnetzar) Nabucodonosor. Na linha do tempo, esse fato se encontra dentro do 2º Período da História Judaica.

O 1º Templo foi construído pelo rei Salomão. Era uma belíssima construção. O Templo era o centro da vida judaica. Depois da morte do soberano, o Reino foi dividido em dois: Iehudá (Judá/Judeia, com as tribos de Judá e Benjamim) Israel (10 tribos restantes). As tribos que compunham o Reino de Israel se negaram a reconhecer como rei Rechavam (Roboão), filho e herdeiro de Salomão. Em vez disso, aceitaram como rei o rebelde Ierav'am (Jeroboão I) Ben Nevat e estabeleceram Shomron (Samária) como a a capital deste Reino, enquanto que Jerusalém permaneceu a capital do Reino de Judá

No ano de 720 AEC, o Reino de Israel foi invadido pelos Assírios, que exilaram e espalharam seus habitantes pelo mundo. Até hoje se busca resquícios do paradeiro das 10 tribos.

O Reino de Judá permaneceu. Mas, não eternamente. Irmiahu (Jeremias), o profeta, junto com outros profetas, previram que um futuro sombrio aguardava o Reino. Não seria um happy-end. Um governo corrupto e o afastamento da moralidade imperava em Judá. Os judeus não levaram a sério os profetas e nem suas profecias. 

O profeta Jeremias escreveu com detalhes no livro de Eichá a destruição do Templo e de Jerusalém. O livro de Eichá (Lamentações) é lido em Tishá Beav.

Quando o Reino de Judá assinou uma aliança com o Egito, país inimigo da Babilônia, despertou a ira de Nevuchadnetzar (Nabucodonosor),  Imperador babilônico, que declarou guerra à Judá, conquistou Jerusalém e exilou dezenas de milhares de judeus para a Babilônia. Depôs Iechoniá (Jeconias) e colocou seu sobrinho Tzidkiahu (Zedequias) no lugar. Zedequias foi o último Rei de Judá.

Apesar das advertências de Jeremias, Zedequias tentou uma nova aliança com o Egito para se rebelar contra os babilônios. porém a resposta de Nabucodonosor não tardou a chegar. Ele partiu em direção de Jerusalém com o objetivo de destruí-la. 

CRONOLOGIA DA DESTRUIÇÃO:

10 de Tevet (dia de jejum) - Jerusalém foi cercada (por 30 meses).
17 de Tamuz (dia de jejum) - As muralhas da cidade foram rompidas.
7 de Av - Nevuzaradan, general do exército babilônico, começou a destruição da cidade.
9 de Av - Destruição do Templo Sagrado e exílio babilônico.


O Talmud Iomá traz que a destruição do 1º Templo deveu-se a três transgressões: Idolatria, relações proíbidas e assassinato.

3. O SEGUNDO BEIT HAMIKDASH FOI DESTRUÍDO: 70 EC


Ocorrida no ano de 70 EC, a destruição do 2º Templo foi executada pelos romanos, sob o comando de Tito. Na linha do tempo, esse fato se encontra dentro do 3º Período da História Judaica.

O 2º Templo foi construído 70 anos depois da destruição do 1º Templo, em 515 AEC, com a autorização do Império Persa, grande potência da época, que detinha o poder sob Judá. Aliás, durante toda a sua existência do Templo, com exceção do período em que a Dinastia Chashmoneia (cerca de 200 anos), os judeus viveram sob o domínio de nações estrangeiras, até a chegada dos romanos.

Sob o domínio romano, os judeus eram tratados com muita violência e crueldade e foram proibidos de práticas judaicas essenciais. Estes dois fatores desencadearam uma rebelião na esperança de retomar a Terra de Israel. 

Roma reagiu mandando um exército comandado pelo general Tito. Ele impôs um cerco cruel em volta da cidade de Jerusalém, deixando seus habitantes passando fome e sede. Em Tishá Beav, Tito invadiu a cidade e queimou o Templo Sagrado, deixando um saldo de dezenas de milhares de mortos. Jerusalém foi destruída. Os sobreviventes foram exilados e espalhados pelo mundo afora.

O Talmud Iomá traz que a destruição do 2º Templo deveu-se ao ódio injustificado entre as pessoas. 

4. A DERROTA DE BETAR: 135 EC


Anos se passaram após a destruição de Jerusalém. Em 117 EC, ao assumir o Império Romano, Adriano (76 EC - 138 EC) fez aos judeus uma série de promessas, dentre as quais estavam a liberdade e a tolerância religiosa, além da autorização para reconstruir Jerusalém e a volta dos serviços sagrados no Templo.

Na prática, Adriano determinou a reconstrução de Jerusalém, não como uma cidade judaica mas, uma cidade romana, chamando-a de Aelia (em referência ao próprio nome, Publius Aelius Hadrianus) Capitolina (em referência à idolatria de Júpiter, cujo templo ficava em Roma. no Monte Capitolene). Determinou também a construção de um santuário para a Júpiter, dentro do Templo Sagrado. Os judeus foram proibidos de estudar Torá, cumprir o Shabat e fazer o Brit Milá (circuncidar os meninos aos 8 dias de vida).



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                                                                 Aelia Capitolina

As atitudes de Adriano levaram à mal sucedida rebelião dos judeus contra seu domínio, ocorrida entre 132 EC e 135 EC e liderada por Bar Kochbá (Bar Koziva), um judeu que muitos acreditavam ser o Messias. Surgiu uma nova revolta (135 EC), desta vez na cidade de Betar, próxima de Jerusalém, também reprimida com mão forte pelos romanos. 

Em Tishá Beav, a cidade foi completamente destruída, vitimando milhares de judeus, homens, mulheres e crianças. Na linha do tempo, esse fato se encontra dentro do 4º Período da História Judaica.

5. A REGIÃO DO TEMPLO FOI ARADA: 136 EC


Um ano depois, em Tishá Beav, a região do Templo foi arada. Nessa atitude, Adriano quis apagar completamente qualquer vestígio da população judaica em Israel. O ato de arar a região arruinou, por completo, o que sobrara do Templo.

Segundo a opinião do Rabino Berel Wein, a atitude de Adriano ao arar a região do Templo, foi "resolver o problema judaico de uma vez por todas". Somente erradicando o Judaísmo, Adriano conseguiria concretizar o plano de extermínio total dos judeus.

Na linha do tempo, esse fato se encontra dentro do 4º Período da História Judaica.


7. A EXPULSÃO DA INGLATERRA:1290


Em 18 de julho de 1290, o Rei Eduardo I assinou o Édito de expulsão dos judeus da Inglaterra, depois de uma permanência de quase 200 anos. Esse acontecimento ficou marcado na História Judaica como a primeira vez que houve a expulsão total de uma comunidade judaica da Europa.

Na linha do tempo, esse fato se encontra dentro do 5º Período da História Judaica.


7. A EXPULSÃO DA ESPANHA: 1492


Alguns judeus já habitavam a Espanha desde a época do exílio babilônico, onde estabeleceram uma comunidade judaica. Com o exílio romano, grande parte dos exilados se dirigiu à Espanha, que se transformou, com o passar dos tempos, na maior comunidade judaica do continente europeu.

Na Espanha, os judeus prosperaram em sabedoria, riqueza e prestígio. E se mantiveram por cerca de 1400 anos até o ano de 1492 quando os reis católicos Fernando de Aragão e Isabel de Castela publicaram o Édito de Expulsão (31 de Março) dando um prazo de 4 meses para que os judeus deixassem o país. Os reis não queriam nenhum judeu no solo espanhol.

Naquele ano, em 30 de julho, cerca de 200.000 partiram da Espanha, deixando para trás suas posses, seus trabalhos e suas vidas. Dezenas de milhares judeus refugiados morreram enquanto buscavam segurança em outros países. 


Na linha do tempo, esse fato se encontra dentro do 5º Período da História Judaica.

______


Para finalizar transcrevo a seguinte história:

Conta-se que certa vez Napoleão Bonaparte passou perto de uma sinagoga e viu os judeus sentados no chão. Alguns, até, choravam. Napoleão estranhou e questionou o que estava acontecendo com os judeus. Recebeu a seguinte resposta:

- Os judeus estão tristes porque seu Templo Sagrado foi destruído!

Napoleão ficou mais intrigado:

- Quando isso aconteceu? Por que não fiquei sabendo?

Seus conselheiros responderam que isso tinha acontecido há milhares de ano atrás.

Napoleão ficou atônito mas, concluiu:

- Um povo que ainda lembra e se lamenta por um evento que ocorreu há milhares de anos, certamente um dia retornará à sua terra e verá sua reconstrução!" 


Que possamos ser merecedores da reconstrução do último e definitivo Beit Hamikdash!

Até a próxima!

terça-feira, 17 de julho de 2018

OS PERÍODOS DA HISTÓRIA JUDAICA PARTE 2/2

Agradeço aos leitores pela receptividade que o blog HISTÓRIA JUDAICA EM FOCO vem recebendo neste primeiro mês de atividade. Agradeço também aos comentários; sem dúvida, nos ajudam a crescer e a melhorar. 

O Pirkê Avot 2:18 ensina: "Haiom Katzer vehamelachá merubá" - "O dia é curto e o trabalho é demasiado", palavras sábias, que, por si só, dispensam maiores explicações. Temos ainda um longo caminho pela frente e está sendo prazeroso fazer essa jornada com vocês!

Em relação às observações recebidas, que falam sobre a dificuldade de relacionar os números (datas) e personalidades com os fatos históricos, tenho uma boa e uma má notícia. 

Começando pela má notícia: não tem como falar de História, sem falar de datas, anos e séculos, ainda mais quando tratamos de sua periodização. Agora, a boa notícia é que, mais importante do que saber ou gravar as datas, é conhecer os períodos da História, o que aconteceu em cada um deles e colocá-los numa ordem cronológica.  O mesmo refere-se às personalidades judaicas.

É ter respostas às seguintes perguntas: 

1. "O que vem antes e depois de" 
2. "Quem vem antes e depois?"

Já que "nasci" professora, proponho um exercício com esquemas para ajudar na organização das ideias:

Desenhe uma linha reta. Vamos chamá-la de linha do tempo.
Usando as informações do post anterior:

Nível 1: Retire os nomes dos quatro primeiros períodos da História Judaica vistos até aqui e tente colocá-los na ordem cronológica.
Nível 2: Retire os principais acontecimentos de cada período e coloque-os na ordem cronológica.
Nível 3: Escreva o nome de todas as personalidades citadas em cada período. Coloque-as na ordem cronológica.


No post anterior, vimos quatro dos oito períodos que dividem a História Judaica. Vimos, também, que não existe uma única alternativa para periodizar a História Judaica, discutimos o quanto é essencial colocar os fatos históricos numa linha de tempo e que, situar os eventos na cronologia é, de fato, uma competência essencial no estudo da História, no nosso caso, em História Judaica. 

Depois dessa breve introdução podemos avançar!

5. PERÍODO DA IDADE MÉDIA: SÉCULOS 7 A 17


Crusader map of Jerusalem 1200 CE. Europeans have always been one of history's most effective invading & colonizing cultures.

Mapa de Jerusalém (no século 12)


Esse período teve início com o avanço e as conquista do Islã e se prolongou até a crise desencadeada pelo falso Messias Shabtai Tzvi (1626 - 1676), um judeu turco que se propôs a libertar a Palestina das mãos do domínio turco, transformando-a num estado independente e o aparecimento das tendências e visões características da Idade Moderna. 

Durante esses mil anos, os judeus ficaram à mercê de duas religiões monoteístas, o Cristianismo e o Islamismo, que se intercalaram nas perseguições, matanças e humilhações. 

Do século 7 até o século 11, a Babilônia era centro mundial da vida judaica.


__________


Muitos foram os fatos históricos marcantes para os judeus da Idade Média. Depois de muito ponderar, resolvi destacar seis deles:

A) SÉCULO 7  


Com o avanço e as conquistas do Islã, a grande maioria dos judeu ficou sob o domínio de um governo único (dos muçulmanos).

A cultura do Islamismo, que passou, segundo historiadores, por um "processo de helenização", teve grande impacto sobre a vida cultural e espiritual dos judeus.

B) AS PRIMEIRAS CRUZADAS: 1096


As Cruzadas foram expedições militares organizadas pela igreja para combater os infiéis inimigos do Cristianismo e "libertar" Jerusalém do domínio turco (muçulmanos radicais).

Organizada pelo Papa Urbano II e atendendo o seu chamado, dezenas de milhares de cristãos  partiram em direção a Jerusalém. As Cruzadas deixaram um rastro de sangue e de violência por onde passaram. Julgados também infiéis, os judeus foram suas primeiras vítimas, já que habitavam em muitas comunidades da Europa, que se encontravam no "caminho" por onde passaram os cruzados na ida à Terra Santa. 

Para a grande maioria dos judeus, a palavra Cruzadas estava (está) associada à morte e à conversão forçada. Os judeus, que foram assassinados pelas Cruzadas, morreram em Kidush Hashem (Santificando o nome de D-us).

Em 1099, quando os Cruzados capturaram Jerusalém, reuniram todos os judeus da cidade dentro de uma sinagoga e os queimaram vivos. Posteriormente, os não cristãos foram proíbidos de morar na cidade.

Oficialmente foram realizadas 9 Cruzadas, num período de duzentos anos.


A partir do século 11, diminuiu a afluência dos judeus da Diáspora à Babilônia, despontando dois novos centros judaicos - na Espanha e no norte da África e na Alemanha.

C) A PESTE NEGRA: 1348 -1349


Transmitida pela picada de pulgas de ratos doentes, que chegavam à Europa nos porões dos navios vindos do Oriente, a Peste Negra ou Peste Bubônica foi uma doença que dizimou quase um terço da população europeia. Como as cidades medievais não tinham condições higiênicas adequadas, os ratos se espalharam facilmente. Pelos poucos recursos médicos, após o contato com a doença, a pessoa tinha poucos dias de vida. 


Para agravar ainda mais a situação, líderes europeus culparam os judeus pela Peste Negra, acusando-os de envenenar os poços de água. Mais uma vez, houve ondas de perseguições, expulsões e massacres de judeus em várias comunidades da Europa.


D) A EXPULSÃO DA ESPANHA: 1492



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Os judeus da Espanha que, no decorrer dos séculos, haviam prosperado do ponto de vista cultural, político e econômico, mais do que qualquer outra comunidade judaica medieval, foram sumariamente expulsos daquele país.

No Édito de Expulsão, que datou de 31 de Março de 1492, os reis espanhóis Fernando II de Aragão e Isabel de Castela decretaram a Religião Judaica ilegal e deram um prazo de 4 meses para que os judeus escolhessem entre deixar a Espanhar ou se converter ao Cristianismo. 

A expulsão da Espanha, encabeçada pelo frade Tomás de Torquemada, foi a "pedra da coroa" da Inquisição espanhola. Torquemada acreditava que a permanência dos judeus na Espanha influenciaria os recém convertidos ao Cristianismo a retornarem ao Judaísmo. 

Naquele ano, em 30 de julho, cerca de 200.000 partiram da Espanha, deixando para trás suas posses, seus trabalhos e suas vidas. Dezenas de milhares de judeus refugiados morreram enquanto buscavam segurança em outros países. 

Muitos judeus se estabeleceram no Império Otomano, onde o Sultão Bazajeto II os recebeu de "braços abertos", nos Países Baixos e nas comunidades askenazitas da Polônia e Lituânia.





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E) OS LIBELOS DE SANGUE


Em 1144, em Norwich (Inglaterra), quando apareceu a primeira criança assassinada, vieram junto os rumores de que os judeus precisavam sacrificar crianças cristãs para que seu sangue fosse usado na fabricação de matzot e vinho para o Sêder (Libelos de Sangue).

Desde então, nos sete séculos que sucederam o primeiro Libelo de Sangue,  a festa de Pêssach tornou-se um período terrível para os judeus da Europa, que tiveram que enfrentar ensandecidas multidões de fanáticos por toda a Europa, nos famosos e trágicos episódios de Libelos de Sangue.


Essa infundada acusação de uso de sacrifícios humanos para uso nas práticas religiosas nunca considerou o fato de que o Judaísmo foi a primeira religião que proibiu tais atos, além do que, a Torá proíbe o consumo de sangue aos judeus.


F) MASSACRES DE CHMIELNITZKI: 1648 - 1649


Também chamadas de Guezerot Tach Vetat (as catástrofes dos anos judaicos de TACH - 5408 e Tat - 5409) foi o nome dado ao episódio da carnificina causado pela revolta liderada pelo cossaco ucraniano Bodgan Chmielnitzki contra o regime e as leis da Polônia sobre seu país. 


Como na época os judeus trabalhavam para os nobres poloneses que possuíam grandes extensões de terra na Ucrânia, a ira dos cossacos voltou-se contra os judeus. Estima-se que mais de 100.000 judeus foram assassinados, o que na prática correspondia a cerca de 5% da população judaica mundial.

6. ILUMINISMO: SÉCULOS 18 e 19


O surgimento de dois grandes movimentos judaicos, o Chassidismos, na Europa Oriental e o Iluminismo Judaico (Haskalá), na Europa Ocidental, foram considerados como o ponto de virada decisivo na história da sociedade judaica. 

A) O CHASSIDISMO



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                                       Dança chassídica, tela de Moshe Bernein




Nome do movimento fundado pelo Rabi Israel Ben Eliezer (Baal She Tov), que teve impacto de longo alcance na prática e no pensamento judaico. Até o aparecimento do Chassidismo havia uma separação entre os eruditos da Torá e os iletrados judeus.

Os ensinamentos do Baal Shem Tov quebraram esse paradigma, mostrando que a sinceridade no Serviço a D-us, de um simples judeu, poderia alcançar níveis mais elevados daqueles alcançados por um estudioso.

Esse movimento foi tão bem sucedido que conseguiu reerguer o espírito alquebrado do judeu simples, já bastante "machucado" pelas perseguições e privações causadas, principalmente, em consequência dos massacres de Chmielnitzki e do falso Messias Shabtai Tzvi.

O Chassidismo se espalhou rapidamente conseguindo aproximar um grande número de judeus afastados, tornando-os adeptos do movimento: os chassidim.



B) O ILUMINISMO JUDAICO (HAHASKALÁ)


O Ilumismo Judaico (Hahaskalá) teve origem no Iluminismo europeu e perdurou por quase um século na Europa. Segundo a opinião de muitos historiadores, este período marcou o início da Era Moderna na História Judaica. O movimento se deu primeiramente na Europa Central (na Alemanha) e, depois, se alastrou pela Europa Ocidental e Oriental.

Haskalá deriva da palavra hebraica "sechel", que significa razão ou intelecto. 


Os judeus se viram atraídos pelas ideias do movimento, que preconizava a vontade do homem acima de qualquer coisa. Com o poder inerente da razão, cada ser humano poderia decidir que caminho tomar. 

O Iluminismo deu ênfase aos direitos civis e, pela primeira vez, o mundo ocidental despontou um olhar tolerante aos judeus. Nesse período, foram emitidos éditos de tolerância concedendo alguns direitos básicos aos judeus.


Aproveitando a abertura da sociedade maior aos judeus, a Haskalá incentivou o estudo de temas seculares, o aprendizado de idiomas europeus e do Hebraico, a especialização em agricultura, artesanato, artes e ciências. Os maskilim (adeptos da Haskalá) tentaram assimilar-se à sociedade europeia na vestimenta, na linguagem, nas boas maneiras e na lealdade ao poder dominante. Eventualmente, a Haskalá influenciou a criação dos movimentos reformista e sionista.


7. PERÍODO DE RENASCIMENTO DO NACIONALISMO JUDAICO


Refere-se à época em que surgiu o movimento de despertar do nacionalismo judaico. Esse período foi considerado um divisor de águas entre a Haskalá e a entrada da Era Moderna.

Originado na Europa Oriental, o Movimento do Nacionalismo Judaico teve início nas décadas de 1869 e 1870. Durante a sua existência, um novo e radical programa de renascimento nacional passou a ser fomentado, preconizando a visão de que os judeus formavam uma nação, não somente por comungarem um passado, uma religião e uma cultura, mas por almejarem um futuro compartilhado na realização nacional e política.

O crescimento do Movimento Renascentista do Nacionalismo Judaico se deu, principalmente, por dois fatores:

A) O aparecimento de outros movimentos de cunho nacionalista na Europa (século 19), que conseguiram atingir seus objetivos de obter o reconhecimento e a independência política de seus países, como foi o caso dos sérvios e dos búlgaros. O sucesso desses movimentos serviu de estímulo e de modelo ao avivamento dos ideais nacionalistas judaicos, por uma pátria judaica independente.

B) O desapontamento de muitos intelectuais com a Haskalá, por não levar ao estabelecimento de uma sociedade alicerçada em princípios racionais. A Haskalá não conseguiu diminuir a hostilidade contra os judeus, pelo contrário, esta se tornou mais forte, constituíndo-se em um moderno "movimento das massas". A explosão em cadeia dos pogroms na Rússia foi um exemplo clássico disso.


8. A CRIAÇÃO DO ESTADO DE ISRAEL: 1948


Destacamos aqui dois marcos fundamentais para a criação de um Estado judeu:

A) O MANDATO BRITÂNICO NA PALESTINA:


O sistema de Mandato foi instituído pela Liga das Nações no início do século 20, com o intuito de administrar territórios não autônomos temporariamente, a fim de garantir o bem estar e o avanço da população.

Reconhecendo o direito histórico do povo judeu na Palestina, a Grã-Bretanha foi nomeada mandatária do território, dando origem ao Mandato Britânico na Palestina. Em 29 de novembro de 1947, a Assembleia Geral decidiu pela partilha da Palestina. A Grã-Bretanha anunciou o término de seu mandato no território, em 15 de maio de 1948.

Em 14 de maio de 1948, o Estado de Israel foi proclamado.


B) A DECLARAÇÃO BALFOUR: 1917



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O ministro britânico das Relações Exteriores, Lord Arthur Balfour, emitiu um documento, consagrado posteriormente, como Declaração Balfour. Apesar do nome pomposo, tratava-se, na verdade, de uma carta simples e concisa, endereçada ao barão Walter Rothschild, um dos principais líderes da comunidade judaica da Inglaterra, na qual respalda, pela primeira vez, "o estabelecimento de um lar nacional judaico para o povo judeu, na Palestina".



______________

Como foi falado na parte 1, esses foram, em linhas gerais, os acontecimentos que marcaram a História dos judeus. Alguns fatos foram suprimidos, até por conta do espaço. Espero que tenham aproveitado. Se ficou alguma dúvida, perguntem sempre! 

Até o próximo!




quarta-feira, 11 de julho de 2018

OS PERÍODOS DA HISTÓRIA JUDAICA PARTE 1/2

INTRODUÇÃO


Existem diversas formas de periodizar a História Judaica. Podemos dividi-la no espaço e no tempo, pelo agrupamento das personalidades e das lideranças judaicas nos períodos, pela produção e publicação de grandes obras que assinalaram a progressão da Halachá (Lei Judaica) ou, até mesmo, tentar encaixá-la dentro dos grandes períodos da História Geral.

Vale enfatizar que, as formas citadas não são excludentes, não contradizem umas às outras e não são consideradas inequívocas. Elas seguem uma lógica, apesar de que em alguns fatos nota-se um "quê" de arbitrariedade na escolha do período a que pertencem. 

Resumindo: não há uma única possibilidade para esta tarefa!

O objetivo deste post é descrever, em linhas gerais, os períodos da História Judaica, quando e onde ocorreram, bem como, seus principais acontecimentos. Esse conhecimento possibilitará a "visualização" dos eventos em uma linha de tempo. Conhecer e situar os fatos históricos na cronologia é, com certeza, uma competência essencial em História, no nosso caso, em História Judaica. 

Outro ponto importante, para fazer a correspondência do calendário gregoriano no calendário judaico é aconselhável ler o post CALCULANDO O TEMPO.

A PERIODIZAÇÃO DA HISTÓRIA JUDAICA


A História Judaica pode ser dividida em oito grandes períodos, a saber:


1. DO PERÍODO DOS AVOT (DOS PATRIARCAS BÍBLICOS ABRÃO, ISAAC E JACOB) AOS SHOFTIM (JUÍZES): 1800 AEC - 1000 AEC.

Vamos dividir este período em dois:

A) PERÍODO DOS AVOT (PATRIARCAS):

O período teve início com D-us ordenando Avraham (Abrão) a deixar sua terra natal e se dirigir à prometida Terra de Kenaan (depois chamada de Terra de Israel). Mesmo já estabelecidos na região, Avraham e sua família e, posteriormente, seus descendentes peregrinaram por Beer Sheva, Chevron, Shechem e Egito.


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A jornada de Abraão


Esse período compreendeu também o estabelecimento dos filhos de Israel no Egito, 
a escravidão e a libertação miraculosa dos judeus, a entrega da Torá, os 40 anos de andanças pelo deserto, a chegada e a conquista da Terra de Kenaan, por Iehoshua (Josué), líder e sucessor de Moshe (Moisés).

Obs: Todos os assuntos acima podem ser encontrdos nos cinco livros da Torá e no livro de Iehoshua (1º livro do NACH).

B) PERÍODO DOS SHOFTIM (JUÍZES): SÉCULOS XI E XII AEC.

Neste período os judeus foram liderados pelos Shoftim, que tinham a missão de conduzi-los espiritual e militarmente. Não havia uma liderança unificada que centralizasse o poder, como na época de Moisés e Josué. Cada tribo tinha seu próprio Shofet. O livro de Shoftim 21:25 (2º livro do NACH, vide link acima) traz: "Naqueles dias não havia Rei em Israel e cada um fazia o que parecia certo aos seus olhos". 

Apesar de ser marcado pela instabilidade, devido às constantes ameaças de invasão e guerras pelos povos inimigos, foi no Período dos Shoftim que se deu o processo de formação da nação judia. Houve 15 (há quem diga 16) Shoftim. Shmuel foi o último shofet do período e ungiu Shaul, primeiro rei de Israel e David, rei que o sucedeu.

2. BAIT RISHON (1º TEMPLO) OU PERÍODO DOS REIS: 1000 AEC - 586 AEC.


Essa época vigorou o regime monárquico na Terra de Israel. Esse período passou por três fases: 

A) MONARQUIA UNIFICADA: 

Marcada pelos reinados Shaul (1046 AEC - 1006 AEC), de David (1004 AEC - 965 AEC) e de Shlomo (Salomão) (965 AEC a 928 AEC). Foi no reinado de Salomão que o 1º Beit Hamikdash (o 1º Templo Sagrado) foi construído.

B) CISÃO DE ISRAEL EM DOIS REINOS: IEHUDÁ (JUDÁ/JUDEIA) E ISRAEL (928 AEC - 720 AEC).

Após a morte de Shlomo, Israel foi dividido em dois reinados: ao norte, o Reino de Israel e ao sul, o Reino de Iehudá. Com capital em Jerusalém, o Reino de Iehudá prevaleceu sobre os territórios das tribos de Iehudá e de Biniamin e seus reis perteciam à dinastia de David. Já o Reino de Israel, estabeleceu sua capital em Shomron (Samaria) e governava sobre as 10 tribos restantes. Apesar de irmãos, os reinos agiam com extrema rivalidade e, frágeis, ficaram à mercê das invasões dos inimigos.




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C) O REINO DE IEHUDÁ APÓS A QUEDA DO REINO DE ISRAEL:  (720 AEC - 586 AEC).

Em 720 AEC, os Assírios comandados por Sancheriv (Senaqueribe) conquistaram e exilaram os habitantes do Reino de Israel, restando na Terra de Israel, o Reino de Iehudá. O Reino de Iehudá permaneceu até o ano de 586 AEC, quando foi conquistado pelos Babilônios sob comando do Rei Nevuchadnetzar (Nabucodonosor). Os judeus tiveram seu Templo destruído, além de serem levados cativos à Babilônia, no chamado exílio babilônico.

3. PERÍODO DO BAIT SHENI (2º TEMPLO): (586 AEC - 70 EC).



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                                                         O 2º Templo Sagrado

Na prática este período começa com movimento de retorno dos judeus a Israel (Shivat Tzion), em 537 AEC e perdurou até o ano de 70 EC, quando os romanos destruíram o 2º Templo. Exilados, os judeus foram espalhados pelo mundo, no chamado exílio romano.

Durante esse período, a Terra de Israel foi dominada por três grandes Impérios, nas suas respectivas épocas:

A) DOMÍNIO PERSA: (538 AEC - 332 AEC).

Os persas conquistaram a Babilônia, que foi absorvida pelo Império Persa. Depois de um breve reinado, Dariavesh (Dario) é sucedido por Koresh (Ciro), que autorizou a volta dos judeus à sua terra ancestral. Liderados por um descendente da casa de David, Zerubavel, uma pequena parte dos judeus se dirigiu para Israel e imediatamente começou os trabalhos de reconstrução do 2º Beit Hamikdash. Esse período se prolongou até os dias de Ezrá (Esdras) e Nechemiá (Nehemias). Em 515 AEC,  ainda durante o domínio persa, o 2º Beit Hamikdash foi inaugurado. 


B) DOMÍNIO HELÊNICO: (332 AEC - 37 EC).  

Esse período pode ser dividido em duas etapas:

A primeira etapa foi marcada pelo Domínio Grego (332 AEC - 160 AEC), quando a minoria dos judeus se submeteu ao novo domínio. Os decretos de proibição de algumas práticas judaicas por Antíoco Epifânio desencadearam a revolta dos Chashmonaim (Chashmoneus), fato que é lembrado na Festa de Chanuká. 

A segunda etapa foi marcada pelo domínio dos Chashmonaim (160 AEC - 63 AEC) que, pela primeira vez, depois de um longo período conseguiu plena liberdade política, o que contribuiu para o fortalecimento da identidade judaica do povo.

C) DOMÍNIO ROMANO (63 AEC - 74 EC)

Dentre todos os países que dominaram a Terra de Israel, o Império Romano é considerado, de longe, o mais difícil na História do povo judeu, justamente porque veio logo depois do profícuo período dos Chashmonaim. Carregado de hostilidade, resultou na destruição do 2º Beit Hamikdash e no exílio romano.


CRONOLOGIA

586 AEC - Destruição do 1º Templo Sagrado e Jerusalém, pelos Babilônios.
539 AEC - Conquista da Babilônia por Koresh (Ciro), Rei da Pérsia.
538 AEC - Édito de Ciro e início do retorno a Tzion (Jerusalém).
515 AEC - Término da construção do 2º Beit Hamikdash.
332 AEC - Conquista da Terra de Israel por Alexandre da Macedônia.
301 AEC - Conquista da Terra de Israel por Ptolomeu.
200 AEC - Conquista da Terra de Israel pelos Selêucidas (Sírios de forte influência helênica).
167 AEC - Revolta dos Chashmonaim (Chashmoneus) - Chanuká.
  63 AEC - Conquista da Terra de Israel por Pompeu, Imperador Romano.
  37 AEC - A Terra de Israel é governada por Herodes, que permanece no poder até 4 AEC.
  66    EC - Início da Grande Revolta contra o domínio Romano.
  70    EC - Destruição do 2º Templo Sagrado por Tito, o Imperador Romano.
  74    EC - Derrota dos judeus e fim da Grande Revolta.


4. PERÍODO DA MISHNÁ E DO TALMUD ( SÉCULOS I - VI DA EC).


O período ganhou essa denominação graças às duas grandes obras do Judaísmo estudadas até os dias de hoje nas Ieshivot (casas de estudo): a Mishná e o Talmud (na verdade, forma escritos dois Talmudim: o Ierushalmi e o Bavlí). Iniciou ainda na época do domínio romano, findando com a conquista dos muçulmanos, no início do século VII.

Até o século II a Terra de Israel era o centro do Judaísmo mundial, apesar das tragédias que ocorreram ao povo judeu com a destruição do Beit Hamikdash e da derrota na Grande Revolta. Com o resultado da revolta de Bar Kochbá (132 EC - 135 EC), a situação dos judeus se agravou profundamente e, a partir dessa época, o núcleo do Judaísmo passou à Babilônia.

Devido à escassez de sábios de Israel e temendo que os conhecimentos transmitidos oralmente desde de Moisés fossem esquecidos, por volta do ano 200, Rabi Iehudá Hassí compilou a Torá Oral numa obra que foi denominada de Mishná.

O domínio romano pagão prevaleceu na Terra de Israel até o século III. Já em 324 EC (século IV), o Imperador católico Constantino, do Império Romano do Oriente (Império Bizantino) venceu Luciano, o pagão, do Império Romano do Ocidente. A partir daquele momento, a Terra de Israel passou para o domínio bizantino.

Resultantes dos debates dos sábios sobre a Torá Oral foram escritas mais duas obras, o Talmud Ierushalmi (de Jerusalém), compilado em hebraico, na terra de Israel, pelo grande sábio Rabi Iochanan, por volta do final do século IV e o Talmud Bavlí (da Babilônia), escrito em aramáico (idioma babilônico) no final do século V, por Rav Ashi e Ravina, dois grandes sábios da época.

ATENÇÃO: NA PRÓXIMA SEMANA TEM MAIS SDQ.








quarta-feira, 4 de julho de 2018

SE EU ME ESQUECER DE TI, Ó JERUSALÉM...

INTRODUÇÃO

O assunto central do Bên Hametzarim - "em meio às aflições", período de três semanas entre 17 de Tamuz e 9 de Av (vide post anterior) é o luto pela devastação de Ierushalaim (Jerusalém), que culminou com a destruição, dos dois Beit Hamikdash (dos Templos Sagrados): 

O 1º Templo foi destruído no ano de 586 AEC, por Nevuchadnetzar (Nabucodonosor), Imperador da Babilônia e levou o povo judeu ao exílio babilônico. O 2º Templo foi destruído no ano de 70 EC, pelo Imperador romano Tito e levou os judeus à dispersão pelos "quatro cantos do mundo". Exílio que perdura até hoje.

Lugar mais elevado espiritualmente, o Templo Sagrado representava o centro de convergência de toda a vida judaica e, sua destruição, quase levou os judeus e o Judaísmo ao colapso, não fossem as atitudes assertivas de auto-preservação tomadas pelos líderes religiosos em suas respectivas épocas

Esse post não vai se deter nas calamidades e destruição que assombraram os judeus neste período, mas, da construção do povo. Trataremos de luz, em vez de escuridão.

Nossas fontes sagradas dizem: Ierushalaim orô shel Olam - Jerusalém é a luz do mundo!

Nesse viés de construção de Jerusalém e dos Templos Sagrados é imprescindível destacar a personalidade judaica de David, responsável pelo estabelecimento da cidade como capital de Israel, no ano de 990 AEC e idealizador da construção do 1º Beit Hamikdash, concretizada por seu filho e sucessor Salomão (Shlomo) no ano de 950 AEC.

DAVID, O REI DE ISRAEL


                                          

                                  Monumento de David com sua arpa - Jerusalém


O reinado de David começou ainda durante a vida de Shaul (Saul), o primeiro rei de Israel. O Tanach explica que Shaul teve sua dinastia interrompida por ter desobedecido a ordem de D-us de exterminar o povo de Amalek. A notícia foi-lhe transmitida pelo profeta Shmuel (Samuel), o mesmo que o havia ungido tempos atrás. Coube ao mesmo profeta a tarefa de ungir o jovem pastor David, nascido em Beit Lechem, filho de Ishay (Jessé) e descendente do ilustre juiz Boaz e Rut (Ruth), a moabita, cuja história de coragem e de devoção ao Judaísmo está narrada na Meguilat Rut - o livro de Ruth.

Talentoso músico, David frequentava o palácio real tocando arpa ao Rei Shaul, a fim de acalmar o espírito angustiado do monarca. Posteriormente, ao enfrentar e matar o gigante filisteu Goliat (Golias), mereceu casar-se com Michal, a filha do Rei. David era também amigo fiel de Iehonatan (Jonathan), filho de Shaul. A popularidade e o carisma de David despertou a inveja do rei, que, obsessivo, passou a persegui-lo como inimigo, no intuito de matá-lo, para que este não se transformasse numa ameaça ao seu, já condenado, reinado.

Shaul e Iehonathan foram mortos numa batalha vencida pelos filisteus, no Monte Guilboa. A morte do rei de Israel e de seu grande amigo foi pranteada por David, que consolou sua dor em prosa e em verso, compilados posteriormente no famoso livro dos Tehilim, os Salmos de David.

David retornou ao território de Iehudá (Judá ) reinando sobre a tribo na cidade de Chevron, permanecendo lá por sete anos e meio, até ser reconhecido como rei de Israel. Nesse ínterim, o trono de Israel ainda foi reinvidicado por Ish Boshet, filho de Shaul mas, ao final, David consolidou seu governo e liderança sobre todo o território de Israel, unindo os habitantes de todas as doze tribos (a terra de Israel estava dividida entre as 12 tribos, descendentes dos doze filhos de Yaakov - Jacob).

David foi rei por 40 anos. Este período foi considerado um modelo de excelência em governança. 

JERUSALÉM, A CAPITAL DE ISRAEL


"E foi David levando a Arca de D-us, da casa de Oved-Edom, para a 
cidade de David com alegria". (2 Shmuel 6:12)

                              
                              
Por cerca de 440 anos, desde que os judeus entraram na terra de Israel, ainda na época de Iehoshua (Josué) até David, Jerusalém era uma cidade não habitada por judeus, no coração do estado judeu. David conquistou a fortificada cidade de Jerusalém das mãos dos jebuseus e a estabeleceu como capital do seu reino, construiu um estratégico corredor ligando Israel de norte à sul, unificando o país e mandou para lá o Aron Haedut (a Arca Sagrada), contendo as Tábuas da Lei. Desse modo, Jerusalém consolidou-se como centro religioso e político de todo o povo de Israel. 

David trouxe paz a Israel e o respeito das nações à sua volta. Para ele, naquele momento, só faltava concretizar seu plano mais audacioso: construir uma moradia fixa para o D-us de Israel - o Beit Hamikdash. 

A CONSTRUÇÃO DO BEIT HAMIKDASH

Segundo narra o Tanach, a resposta de D-us sobre os planos de David de construir o Beit Hamikdash veio por intermédio de Natan, o profeta da época: A dinastia David será eterna, ou seja, todos os reis de Israel pertencerão à casa de David porém, a construção do Templo se dará por intermédio de Shlomo (Salomão), conforme já falado anteriormente. O fato de David ser um guerreiro e estar envolvido em constantes batalhas, o impossibilitou de realizar esse sonho.

David escreveu: "Se eu me esquecer de ti, ó Jerusalém, que minha destra perca a sua destreza! Que se cole minha língua ao palato, se não me lembrar sempre de ti, se não mantiver a recordação de Jerusalém acima da minha maior alegria" (Tehilim 137 5:6). Tanto amor e ligação com Jerusalém o fez merecedor de que a cidade mais sagrada para todos os judeus fosse chamada de Ir David - a cidade de David. 

JERUSALÉM, A ETERNA CAPITAL DE ISRAEL

Por ocasião do anúncio do governo americano de transferir sua embaixada para Jerusalém, numa prova do reconhecimento da ligação milenar do povo judeu com sua eterna capital, o renomado rabino Jonhatan Sacks se pronunciou:

"A negação sustentada, em muitas partes do mundo, da conexão judaica com Jerusalém é desonesta, inaceitável e um elemento chave na recusa em reconhecer o direito de existir na terra de suas origens".

Termino esse post usando a fala do renomado escritor, Prêmio Nobel da paz e sobrevivente do Holocausto, Elie Wiesel (1928 -2016): "Quando um judeu visita Jerusalém pela primeira vez, é um regresso à casa".

E que tenhamos o mérito de vê-la reconstruída breve em nosso dias!